26 de dezembro de 2011

O GORDO

Observo-me agora ao espelho e chego à conclusão de que meu destino era ser gordo. Não consigo ver, em nenhuma parte do meu corpo, espaço que pudesse ter a magreza a preenchê-la (ou a esvaziá-la, como queiram!). E isto, às vezes, pode trazer problemas. Mas, por outro lado, tem suas compensações.

Se não fosse gordo, por exemplo, o que iria fazer do bom-humor de que fui dotado? Acho mesmo que a alegria de viver é parte inerente do meu tecido adiposo. Um magro, quando ri - o que não é muito frequente, convenhamos - parece que está tendo espasmos. Alguns músculos do corpo se contraem involuntariamente, e eu, ao ver magro rindo, como o meu primo Ronaldo, tenho ímpeto de socorrê-lo, imaginando que está tendo convulsões, capazes de levá-lo ao desmanche total.
Eu, não! Quando rio, transbordo, provoco enchente, com perigo de desabar as coisas próximas. Toda a minha pessoa ri, num ritmo cadenciado, que começa pelos ombros e vai até a cintura (Isto se estiver sentado; porque, de pé, até a panturrilha sacoleja.). Se for uma gargalhada, então, como ocorreu num show de Ari Toledo há alguns anos, o sacolejo é de tal potência, que perigo derrubar copos e garrafas de mesas; quando não, verter água em hora imprópria.
Aconteceu algo semelhante, quando jogava dominó no clube e meu amigo Salvador contou a piada do judeu que encontrou uma lâmpada mágica. Ri, como se dizia no tempo de Machado de Assis, ri, repito, às bandeiras despregadas e com tal gosto, que embaralhei o jogo, e algumas pedras foram parar embaixo do vestido curto da mulher do diretor social. Depois dessa, Salvador resolveu só contar piadas - arte em que é exímio - entre uma partida e outra, porque o jogo sempre vale um dinheirinho miúdo, que é para ter mais emoção.
E, quando o riso vem, não o controlo. Ele vem solto, liberado. Às vezes começa solerte, insidioso, lá no fundo da mente, até explodir em plena boca cheia de dentes.
Ontem mesmo, fui a uma clínica para fazer uns exames. A sala de espera estava cheia de homens, mulheres, senhoras mais idosas. Em dado momento, aparece na porta branca que dá acesso à área de exames a enfermeira de branco e, sem a devida atenção ao serviço, chama, em tom de voz que pudesse suplantar o vozerio e o barulho da tevê, o próximo paciente:
- Senhor Armando Pinto!
Não é necessário dizer do constrangimento inicial de todos ali. Olhamo-nos de soslaio um para o outro. Eu estava bem ao lado da senhorinha de vestido telha e cabelos grisalhos. Ela mesma foi a primeira a começar a sorrir - acho até que de um modo nostálgico. Um e outro como que foram contaminados. E acabamo-nos numa risadaria generalizada. Pelo volume que ocupo no espaço físico, cheguei a balançar o renque de cadeiras em que estávamos. E adivinhem qual foi o último a conseguir controlar a convulsão hilária? Exatamente: eu! Não verti água, mas cheguei a suar bastante. E aproveitei para lançar um chiste:
-Isto lá é nome que se dê a criança que já tem destinado o sobrenome Pinto. Nem esse Armando, nem Crescêncio, nem Inocêncio!
E voltamos todos a rir novamente.
E a branca enfermeira, no seu uniforme branco, saiu imaculada sem perceber que provocara uma pororoca hilariante.
Chegada minha vez, ao estender o braço para a conferência da pressão, o médico teve um sobressalto. Ela havia subido, acompanhando a frequência cardíaca, só por causa de uma bobagem dita descuidadamente pela enfermeira. Porém não adiantou explicar ao esculápio o que, de fato, ocorrera. Diante do quadro, colocou sob minha língua uma droga milagrosa e determinou que não só o braço, mas todo o resto do corpo redondo ficasse estendido na cama, por um bom período, até que tudo voltasse ao normal.
Em tom de brincadeira, ainda lhe disse:
- Doutor, então, avise à enfermeira para não repetir a chamada.
É que o Armando Pinto não tivera a coragem de aparecer da primeira vez. Certamente deve ter ido a um cartório para trocar aquele maldito primeiro nome.
Pintura de Fernando Botero colhida em eugordinha.wordpress.com.

Um comentário:

  1. Ai...ai...vantagens da fofura a que fomos submetidos pela nossa genética. Quanto ao Pinto...não dou um pio.

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