3 de setembro de 2011

SÍNDROME DE ALAIN DELON

Logo após ter nascido, quis ser Alain Delon. Ainda não sabia muito bem como, mas queria ser. Tinha intuído isso ainda no útero materno.
Tenho a impressão de que minha mãe foi a única pessoa, num curto espaço de tempo – talvez só naqueles três primeiros meses em que o antigo resguardo era feito à base de canja de galinha e cerveja preta, para aumentar a lactação –, que vislumbrou em mim, ainda careca, banguela e usando fraldas e cueiros, alguma beleza que me levasse a tanto. Sabem como são as mães de primeira viagem, não é mesmo?
Contudo, com o tempo passando, fui percebendo diante do espelho uma pessoa que não me agradava muito, com muito poucos encantos para um jovem que pretendia sair pelo mundo destruindo corações femininos.
Aí firmei mesmo na cabeça a decisão de que deveria ser bonito como Alain Delon, caso contrário não valeria a pena portar-me como um Dom Quixote aparvalhado, procurando por Dulcineias, enquanto combatia meus moinhos de vento.
No entanto, ao assistir ao filme francês O sol por testemunha (1960), de René Clément, que tinha Alain Delon e Marie Laforêt no elenco, cheguei à conclusão de que a tarefa não seria cumprida. Era muita pretensão para pouca competência!
Alain Delon em O sol por testemunha
(imagem em bemalemdamoda.blospot.com).
Com a cara cheia de espinhas, passei boa parte da minha juventude usando pomada Minâncora e outros cremes que pudessem aliviar aquele aspecto de ralador de coco purulento em que meu rosto se transformara.
Então o fantasma – embora esteja ainda muito vivo – de Alain Delon passou a assombrar-me em pesadelos terríveis, mesmo estando acordado. Eu era o que não pretendia: queria ser Alain Delon e era apenas eu mesmo, sem tirar nem pôr. A natureza, às vezes, se comporta como madrasta para alguns de seus filhos. E eu era um destes!
Por outro lado, nunca deixei de ser meio Dom Quixote e ficava sistematicamente apaixonado por minhas colegas de escola, do grupo escolar aos primeiros anos da faculdade. E uma paixão calada, muda, ensimesmada. E, para complicar ainda mais a situação, jamais fiquei apaixonado por meninas feias. Só pelas bonitonas. Pelo menos, sempre fui inteligente e tinha bom gosto. E quem disse que eu me declarava? Quem disse que eu tinha coragem? Quem disse que elas sabiam disso?
Mas, como tudo na vida vai por água abaixo, também Alain Delon hoje já não é lá essas coisas de beleza masculina. Eu, que nunca cheguei a tanto, estou um pouco pior do que ele, reconheço. Só que agora pretendo ser Tõi Cruz, aquele americano metido a besta de Hollywood, que também trabalha no varejo de encenações e fingimentos, beija as mocinhas bonitas nas telas e ainda ganha rios de dólares pelo serviço. Se não der, vou-me conformar em ser o Leonardo Di Caprio, o Peppino di Capri, ou o vendedor de pepinos na barraca da feira, sei lá!...

Essa síndrome de Alain Delon que me acompanhou boa parte da vida parece mais encosto bravo do que outra coisa!

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