15 de novembro de 2012

TIPO ASSIM (VI) - ZÉ CAROLA


Seu Zé Carola era amigo de meu pai.
Morava na rua transversal à nossa, onde tinha, na parte da frente do terreno, sua oficina de carpintaria. Rigorosamente ele era carapina, carpinteiro e marceneiro, nessa gradação do trabalho mais rústico e pesado com madeiras, até a arte mais fina de fazer móveis. Por vezes, eu aparecia em sua oficina, para vê-lo trabalhar, sem que ele se importasse com isso, desde que eu não mexesse em nada:

- Aqui tudo é perigoso pra criança!
Durante algum tempo, fez parte, com Nego Souza, da guarda noturna* da vila, que andava recebendo umas aparições esquisitas, a meter medo em muita gente.

Com frequência também ia com meu pai e outros amigos, montados em suas bicicletas, pescar nos valões das redondezas e no Rio Itabapoana, que dista da vila cerca de seis quilômetros.
Ele tinha uma penca de filhos com dona Nenê: Dina, Nézio, Mariinha, Julinha, Rabilonga, Rita, Zezinho, Tana e o caçula, também Nenê, nascido Francisco Carlos. Uns mais velhos, alguns mais novos do que eu. Morava também com toda a família sua mãe, dona Carola, que sabia da arte de rezar quebrantos e ventos-virados, espinhela caída e mau-olhado, pescoço-duro e dor-de-olhos.

Seu Zé Carola era um homem de bem com a vida, embora vivesse com muito aperto, na criação dos filhos. Contudo estava constantemente de bom humor.
Quase todos os dias, ia até a venda de meu pai, sobretudo à noite, para uma conversa animada, e estava sempre com uma ideia nova, alguma coisa que havia matutado lá no meio dos seus miolos, para pôr em prática na vida.

Um dia, chegou para meu pai, com toda a segurança do mundo e disse:
- Argemiro, descobri uma coisa: a gente come é de mau costume. Pegamos esse mau costume há muito tempo, mas com controle é possível a gente parar de comer. Isso é uma coisa inútil: a gente come e daí a pouco põe tudo pra fora! Gasta dinheiro à toa!

Meu pai só não deu uma sonora gargalhada, porque não era homem de gargalhadas, mas sorriu apertando os olhos e mostrando seus dentes bonitos, o máximo que ele conseguia exprimir quando achava algo realmente engraçado. Tanto que, depois, comentou com minha mãe:
- Zé Carola tem cada uma! Agora disse que descobriu que comer é só um mau costume. – e repetiu a argumentação que o amigo lhe apresentara.

Mamãe deu uma boa risada. Eu fiquei um pouco desconfiado daquela descoberta, porque tinha no seu Zé Carola um homem sério e pai de muitos filhos. Será que havia algum fundamento naquilo?
Sendo ou não mau costume, nunca parei de comer, até porque de tempos em tempos a barriga roncava a pedir alguma coisa que a sossegasse.

Tempo depois que saí da vila, soube da sua morte, de causas naturais. Sua figura alegre e de riso fácil ainda permanece em minha memória até hoje.
Imagem em gartic.uol.com.br.

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*Veja o texto A guarda noturna, publicado em 7/10/2012.
Agradeço ao amigo José Luiz Padilha pelas informações complementares sobre a família de seu José Carola, de que já não guardava os nomes de todos os seus membros.

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