21 de novembro de 2012

NÃO MEXAM COM DUDA!

Duda é meu amigo; portanto, não tem defeitos. A não ser que você considere certa irascibilidade para com a estupidez humana como defeito. Ou certo pavio curto, quando lhe pisam nos calos. Ou um pendor eticamente exagerado pela retidão de caráter de todo e qualquer ser humano. Ou um senso estético refinado que costuma classificar, de modo veemente, como porcarias muitas porcarias que se pretendem arte. Fora isso, que, sinceramente, não considero defeitos, ele é um cidadão que prima por exercer seus direitos e cumprir seus deveres. E é o que tenta passar para seus alunos do Colégio Pedro II, a reboque das competentes aulas de inglês que ministra no Segundo Grau, onde é conhecido por seu nome civil: Eduardo Campos.
Pois meu amigo, há alguns anos, possui uma bela casa de veraneio em São Pedro da Serra, aonde já fui algumas vezes.
A casa se debruça de uma das muitas colinas da vila sobre um espaço abaixo onde há um bar e restaurante, misto de clube de lazer com piscina natural e toboágua, feitos num ribeirão que desce serpenteante montanha abaixo. O espaço é aberto a todas as pessoas que paguem uma taxa de uso.
Logo que fomos – eu, minha mulher e mais um casal de amigos, Rosa e Rogério – conhecer a casa, então recém-terminada, Duda nos levou até o bar, onde tomamos algumas cervejas, devidamente assessoradas por tira-gostos, numa agradável tarde de sábado. O proprietário do estabelecimento, Didi, nos recebeu com atenção e nos franqueou circular por ali. Duda e Didi eram camaradas, afinal o terreno onde estava fincada a bela casa do meu amigo fora vendido a seu irmão Ricardo, já falecido, tempos antes.
Dentre as múltiplas funções do vizinho empresário, estava o fornecimento de água às casas do entorno, todas construídas em terrenos anteriormente seus. E foi aí que as relações começaram a estremecer, quando o comerciante decidiu aumentar o preço abusivamente. Duda, então, providenciou um poço artesiano que o abastecesse da água necessária, para não depender mais do outro.
Algum tempo depois, o birosqueiro resolveu que o funcionamento de seu complexo de entretenimento serrano fosse movido a som difundido pela circunvizinhança na potência do incômodo, isto é, bem acima do tolerável. E a comunidade passou a conviver com o som estridente do bar do Didi.
Duda, lá num domingo que poderia ser aprazível, desceu por seu barranco cuidadosamente ajardinado, passou pelo portão, adentrou os domínios do comerciante e reclamou em bom tom – educado que é – do volume do som. Didi não se fez de rogado e lhe disse:
- Aqui é minha propriedade e ponho o som na altura que quiser.
- Ah, é assim?! Então também estou no direito de ouvir meu som na altura em que quiser.
- Esteja à vontade! – retrucou insolente o Didi.
Ele não sabia com quem estava mexendo!
Antes de voltar no fim de semana seguinte, Duda foi até Nova Friburgo e comprou um sistema de som com mil watts de potência e instalou as caixas acústicas na varanda que contorna a casa, embicadas para o furdunço do Didi. Estava armado para a guerra!
Naquela manhã de sábado, aos primeiros e estridentes acordes da Eguinha pocotó, vindos do bar do homem, meu amigo soltou na potência do seu equipamento a Quinta Sinfonia de Ludwig van Beethoven, aquela do tcham-tcham-tcham-tcham. Pego desprevenido, o cara atacou em seguida de Bello e sua música horrível. Duda emendou de Tchaikovsky, com a Abertura 1812. O outro, desesperado, lançou mão de Eu quero tchu, eu quero tcha, e levou pelas platibandas a contundência de Richard Wagner, em A Cavalgada das Valquírias. Quando, numa última e alucinada tentativa, apelou para Entre tapas e beijos, Duda sacramentou a vitória com a Abertura da Cavalaria Ligeira, de Franz Suppé.

Imagem em artecontacto.blogspot.com.

Antes, porém que desse início a essa verdadeira justa musical, ao melhor estilo medieval, obviamente substituídos cavaleiros e lanças pela parafernália eletrônica, foi avisar à vizinha próxima sobre seus planos acusticamente diabólicos. A mulher lhe agradeceu a providência e liberou o som: ela também era amante de música clássica e odiava aquele som alto de péssimo gosto vindo do bar e misturado à algazarra que os clientes do espaço de lazer faziam.
Escaramuça estabelecida, o filho do Didi liga dizendo que era rico, engenheiro da Petrobrás, que faria e aconteceria:
- Vou pôr um carro de som na porta de sua casa!
- Pois tente! – disse-lhe meu amigo.
- Eu sou rico e compro um equipamento mais potente!
- Pois tente! – repetiu Duda.
- Você não sabe com quem está mexendo!
- Nem você! – arrematou o meu amigo.
Nunca mais houve a balbúrdia de antes, a partir daí. O sossego voltou a reinar nos altos aprazíveis de São Pedro da Serra.
Duas semanas depois, liga o mesmo sujeito prepotente, calçado com as sandálias da humildade, para lhe pedir desculpas. Reconhecia que estava errado, que agira sob o calor dos fatos.
Meu amigo aceitou as desculpas.
Na semana seguinte, foi Didi quem chegou até sua casa, para também lhe pedir desculpas e convidá-lo a voltar a frequentar o local. Meu amigo aceitou as desculpas, como cavalheiro que é, mas ponderou que não havia mais clima para lá voltar. Ele tem exagerado verniz de hombridade e compostura.
Ah!  só estava esquecendo de dizer que, apesar de meu amigo, Duda tem um defeito danado: é teimoso como burro empacado. Se você se meter numa briga contra ele, saiba que a briga só acabará quando ele vencer. Porque ele não se mete em enrascada!

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