22 de julho de 2012

UM ESTRANHO NO PRÓPRIO NINHO

Estava em Bom Jesus, quando recebi ligação de um amigo, ex-morador do meu condomínio, querendo saber o que estava acontecendo, já que tivera notícia de movimento de bombeiros diante do prédio.

Depois de pedir ao amigo Cecchetti, que mora próximo, para assuntar o ocorrido, fiquei sabendo por ele de um incêndio na casa de força do bloco 1, justamente o em que moro.

Três dias depois, estava em Niterói, abrigado na casa de minha filha. De quarta-feira a sábado, lá estivemos eu e minha mulher.

Todos os dias, ia ao prédio para acompanhar os trabalhos de recuperação dos serviços básicos de água, luz, elevadores, na ânsia de voltar para casa.

E percorri os endereços naturais, por onde passo sempre: o bar, a banca de jornal, a padaria, o banco, o supermercado, a quitanda chique, e senti uma estranha sensação, nos dias em que estava flagelado, de que um pouco daqueles ambientes, antes tão familiares, me pareciam um pouco estranhos, como se eu fosse um visitante e não um local. Uma sensação mais ou menos parecida com aquela que se tem ao visitar uma cidade pela terceira ou quarta vez: conhece de vista, mas não tem intimidades.

E sentia-me um tanto deslocado, como se fosse figura recém-inserida, querendo estreitar relações.

Não pude evitar tal sensação. Não fui eu que a quis. Ela se impôs. Parecia que eu não era mais habitante daquele mesmo apartamento, desde 1981, naquele mesmo pedaço de Icaraí. Eu havia mudado de endereço e tentava manter velhos laços que se estavam esgarçando.

Talvez tenha sido a mesma sensação experimentada ao vir, em 1967, para a cidade, a fim de fazer meu curso superior.

À época, fui morar numa pensão, na rua Pereira da Silva, na primeira quadra, pertinho da praia. Do outro lado da rua ficava uma loja com duas mesas de totó (ou pebolim, conforme a região). A regra de se jogar consistia em a dupla perdedora abandonar a mesa e uma nova dupla pagar a ficha e desafiar a dupla vencedora. Assim quem vencesse continuaria jogando com a ficha alheia.

Numa tarde de sábado, alguns rapazes da pensão foram até a loja para jogar, seguindo as regras. Contudo outros, naturais da cidade que já lá estavam, disseram que não poderíamos jogar, porque não éramos de Niterói (eles sabiam que morávamos na pensão). Se não fosse a intervenção firme e decidida do nosso amigo Zeca, um pouco mais velho que a turma e niteroiense como eles, talvez a coisa se degenerasse.

O sentimento que me ficou deste episódio só não foi pior, porque eu tinha absoluta certeza, naquele instante, de que eu não sofria da doença social deles: eles eram piores do que eu, do que nós, porque eram preconceituosos. Não foi confortável, é verdade, mas superei.

Pois agora, com a história do abandono forçado do meu lar (talvez seja isto), a noção de pertença do espaço social deve ter-se diluído um pouco. E eu me senti um estranho no próprio ninho.

Por isso é que fiquei imaginando o sofrimento que deve ser a perda total do lar – por uma catástrofe qualquer. Deve ser um terrível desconforto!

Voltei hoje, sábado, para casa. Espero que amanhã, ao ir à mesma banca de jornal do amigo Antônio, possa dizer o mesmo bom-dia de muitos anos com o sabor da coisa mais prosaica do mundo, mais simples. Sem a impostação de um momento social com certa tensão entre interlocutores que apenas se conhecem de vista.

Ilustração de minha neta Gabi (7 anos), em Paintjoy.

2 comentários:

  1. Mais um belíssimo texto e acompanhado pela interessante ilustração da Gabi! Muito provavelmente ela quer mostrar as voltas que a vida dá!!!...
    Prometo que quando vier a Portugal também se vai sentir em casa! Para quando, Amigo?...
    Aquele abraço!

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    1. Olá, amigo! Obrigado pelas palavras. Qualquer hora, apareço aí neste seu belo e hospitaleiro país. Fique tranquilo, que aviso. Abraços.

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