10 de julho de 2012

TIPO ASSIM (V): PEDRO NUNES

Pedro Nunes era filho do primeiro casamento de Tito Nunes e dona Nega. Seu pai se casou mais outras vezes e teve filhos sem conta. Pedro era um dos mais velhos deles todos.
Amigo de meus tios e de meus pais, era também amigo de todos na vila. Nunca soube de alguém que não gostasse do Pedro.
Enquanto morei em Carabuçu e, posteriormente, em Bom Jesus, Pedro era um invicto solteirão. Faziam, inclusive, troça dessa sua condição, com brincadeiras como: “Me empreste aí um dinheiro, que lhe pago quando o Pedro se casar”.
Talvez, por isso, é que Pedro vivia de bom humor, com um constante sorriso, caçoando de uns e de outros.
Eu era menino e já gostava dele.
Mas o tempo passou. Vim para Niterói estudar. Casei-me por aqui com Jane, e daí a pouco nasceu nosso primeiro filho, a quem demos o nome de Pedro. Não havia sido propriamente por ele, antes pelo nome, de que gostamos. Nome forte, nome rijo, bom para um menino.
Quinze dias após o nascimento do nosso Pedro, toca a campainha do meu apartamento, num sábado de manhã – devia ser lá pelas oito horas, se tanto. À época não havia o hábito de se anunciarem as pessoas por interfone. Nem me lembro se havia interfones no prédio.
Abri a porta, e era o Pedro. Com o seu sorriso característico, mala na mão, estava chegando de Bom Jesus e tinha ido me agradecer a homenagem que lhe fizera, por ter colocado seu nome em meu filho.
Dei-lhe um abraço feliz. Ele abriu a mala e tirou um presente para meu filho. Apresentei-lhe seu xará, ainda enrolado em cueiros, conversamos um pouco, tomamos café, e lá se foi o Pedro carregando sua alegria de viver.
Passou-se o tempo e Pedro se casou.
Havia tanta expectativa por seu casamento, que seu Nelson Mota, proprietário da Fazenda da Liberdade, havia prometido lhe dar um de seus bois para o dia em que isso ocorresse. Eu mesmo, ainda jovem, fui testemunha da promessa, feita sob a risadaria dos presentes na barbearia do Moreninho, onde eu andava cometendo uns caminhos de rato em cabelo alheio e uns piques de navalha na cara de corajosos conterrâneos.
Pois, de convite na mão, o Pedro cobrou o boi prometido, que se transformou num grande churrasco no campo do Liberdade Esporte Clube, em comemoração ao seu casamento, a que não fui. Apenas vi as fotos da efeméride.
O tempo continuou correndo. Pedro não teve filhos. Mas teve a grandiosidade de adotar os dois filhos de sua secretária do lar. Não queria deixar ao desamparo, quando morresse, aqueles meninos a que se afeiçoara.
Por uma dessas coincidências que a vida nos arma, comentava esta história da adoção com um casal de amigos de Niterói, para destacar a grandiosidade de alma do Pedro. Meu amigo, então, me disse que o conhecia. Tinha sido seu colega de trabalho na Secretaria de Fazenda: ambos eram fiscais de ICMS.
E me contou algo que reputo como um dos maiores elogios que um servidor público possa merecer.
Disse-me ele que vários fiscais, seus colegas de função, não gostavam de trabalhar com Pedro. E, por ter estranhado a informação, já que sabia do seu espírito bonachão, perguntei-lhe por quê. Meu amigo, então, me disse:
- É que, com Pedro, não há jeitinho! Ele não transige, não aceita conversa, agrado. Age estritamente dentro da lei. Aí quase ninguém quer tirar serviço com ele.
E eu entendi: Pedro não levava propina, não achacava, não se submetia à corrupção.
Naquele momento, fiquei sensibilizado por saber de mais esta característica do meu amigo e pensei em lhe escrever uma carta, dando tal depoimento. Ele precisava saber disto. Valia muito mais do que qualquer elogio em folha funcional.
O tempo continuou passando, e a gente olhando pela janela, qual a Carolina do Chico.
Até que em janeiro deste ano, quando em visita a meus pais em Bom Jesus, voltou-me à lembrança a carta até então não escrita, nem enviada. Assim falei para a minha mãe desta minha disposição. Para minha frustração, ela me disse que já não seria mais possível Pedro saber deste elogio. Ele morrera repentinamente no fim do ano anterior, fulminado por um coração maior que o mundo.
Este texto tem, deste modo, o objetivo de lhe fazer justiça póstuma. E os meus prezados leitores que compartilharam da amizade e do conhecimento da figura ímpar de Pedro Nunes também gostarão de saber deste seu traço de dignidade como funcionário público.

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Evaristo BASCHENIS (1617-1677) - Instrumentos musicais sobre uma mesa (em eurocles.com). 

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