8 de julho de 2012

DÁ PARA ACREDITAR? (Cordel destrambelhado)


Não moro na minha rua
Não habito meu estado
A cidade em que não vivo
Está sempre do outro lado
A casa que desabito
É aberta a cadeado.

Minha cama é de araque
E não tem mola o colchão
O guarda-roupa na sala
Os quadros ficam no chão
A sala eu transformei
Em garagem no porão.

Eu me visto pobremente
Com fraque e com cartola
Meu pensamento se expõe
Dentro da minha cachola
Se eu não canto desafino
Desaprendo na escola.

E o meu café é coado
Passado na frigideira
O pão de forma grelhado
A manga é de goiabeira
A manteiga do meu pão
Na cabe na manteigueira.

Minha calva é cabeleira
Os olhos escutam som
Os ouvidos veem longe
Quando claudico está bom
O paladar pede azedo
E sente amargo o bombom.

Todo futuro é outrora
O meu pertinho é distante
E a constância que eu viva
É sempre muito inconstante
E o que dura a vida inteira
Não passa de um instante.

A lógica é sem sentido
O vaivém é inverso
O verso parece prosa
A prosa parece verso
E o quintal da minha casa
Encerra todo o universo.

Minha mocidade é velha
Mas a velhice é bem nova
Eu nasci em cova rasa
Digo mas não tenho prova
E ao morrer de velhice
Minha vida se renova.

Me vacinei pra doença
Piorei ao me sarar
Doença só me faz bem
Saúde é meu mal-estar
Falando não digo nada
Sou mudo sempre ao falar.

Tristeza me faz sorrir
Alegria dá tristeza
Sou com certeza inseguro
E seguro na incerteza
No escuro tenho luz
No claro só escureza.

Das verdades do futuro
Todo mundo desconfia
O passado chega cedo
E não tem mais serventia
Pois tudo que é atual
Perdeu a ordem do dia.

Saúdo ao despedir-me
Despeço-me ao chegar
Desperto quando me deito
Dormito ao levantar
Às vezes minto um pouquinho
Se a verdade apertar.

Termino por começar
Me despedindo assim
Saudando a quem não me leu
Esta prosa bem chinfrim
Plena de verso e de rima
Começando pelo fim.

Imagem em olivre.com.


2 comentários:

  1. Que destrambelhado que nada!
    "A lógica é sem sentido/O vaivém é inverso/O verso parece prosa/A prosa parece verso/E o quintal da minha casa/Encerra todo o universo." Só esta estrofe, pra mim já basta: uma obra prima.

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