Nos arredores dos meus sete anos, talvez um pouco antes, escolhi meu padrinho de crisma, Said Felício.
Meus pais me deram três opções de amigos seus, para que eu escolhesse um deles. E escolhi o Said, filho de seu César e de dona Helena, libaneses que acabaram perdidos na minha pequena vila. E jamais me arrependi da escolha.
Na época, ele devia ter por volta de vinte e poucos anos. Hoje já rompeu os oitenta e se mantém firme em Bom Jesus do Itabapoana, onde mora com sua irmã Olívia, um dos orgulhos da educação pública do Estado do Rio de Janeiro, à qual dedicou toda sua vida, na direção do eficiente Grupo Escolar Marcílio Dias, minha primeira escola.
Pois muito bem!
Algum tempo depois da cerimônia da crisma, ocorrida festivamente na praça em frente à capelinha de Santo Antônio, num domingo brilhante, meu padrinho convidou a mim e o meu tio Aylton, irmão de minha mãe e seu amigo, para que almoçássemos em sua casa, que, nesta época, ficava também diante da pracinha.
E, passados todos esses anos, ainda tenho em minha memória olfativa, gustativa e sentimental o cheiro e o paladar da comida árabe preparada por dona Helena.
Quando meu tio e eu entramos pelo portãozinho da frente da casa e nos dirigimos, pela lateral esquerda, em direção à cozinha – no interior, as pessoas íntimas entram pela cozinha, pois não? – já fomos inebriados pelo perfume dos pratos que dona Helena preparava. A partir dali, começamos a nos deliciar, com a expectativa do que viria depois.
Até então nunca tinha sentido tais cheiros em uma comida, e, talvez por isso, eles ficaram entranhados em minhas lembranças de forma definitiva.
A seguir, veio o almoço propriamente dito.
Lembro-me de seu César sentado à cabeceira, como convinha à época para o chefe da casa, e dona Helena nos cuidados de servir. Recordo-me, inclusive, da posição que ocupei à mesa.
Sentamo-nos todos e iniciei ali uma experiência gastronômica inesquecível.
Na vila, moravam alguns libaneses e/ou sírios, a que todos davam o nome de turco. Habituáramos, assim, a comer o quibe frito de seu Altivo Sabino, pai de Mansur, que dele manteve o bar em que alguns quitutes deste tipo eram vendidos.
No entanto um almoço completo com pratos da culinária libanesa como aquele jamais tinha experimentado. Sobretudo porque a comida era à base de azeite, o que lhe dava paladar e perfume muito distintos dos da nossa trivial comida caseira do norte do Estado, com profunda influência da culinária mineira. Não que nossa comida fosse ruim. Muito ao contrário, longe disso! Mas a comida de dona Helena era novidade completamente adorável, tanto do ponto de vista do nariz, quanto da boca. Recordo-me, sobretudo, dos enroladinhos de folha de uva e de repolho.
Há cerca de dois meses, fui visitar meu padrinho e dona Olívia em sua casa de Bom Jesus do Itabapoana e relembrei essa marca indelével que me ficou. Ele mesmo se recordou do almoço. E aproveitou para mandar presentinhos para meus netos, coisas que já vinham de seu pai, seu César, e mais uma latinha de homus bi tahine pronto – para que comesse com Jane –, garantindo-me que o paladar era muito bom também. Bastaria que lhe acrescentasse o azeite e, se fosse do meu gosto, gotas de limão e cheiro verde.
Não deu outra. Tanto que, terminada aquela latinha, já adquiri uma nova.
Meu padrinho até hoje me surpreende com os paladares que lembram o Líbano antigo de seu César e dona Helena.
Almoço com pratos da culinária árabe (em forum.televisao.uol.com.br).
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