18 de janeiro de 2012

CAFÉ A ESTAS HORAS?

Chegou a casa lá pela meia-noite com bafo de anteontem e olhos de groselha. Cheirava a perfume barato no colarinho da camisa amarrotada.

A mulher, com cara de acompanhar enterro de parente querido, fingia limpar as unhas com alicatinho de manicura, a tevê ligada num programa qualquer de leilão de bois. Bóbis no cabelo e a má vontade de anos de um casamento chocho.
Ele falou um oi de lado, em direção à parede da televisão, para que ela não percebesse o bafo. Inutilidade pura. O azedume empesteou a sala pequena, com a brisa que entrava pela janela jogando contra ele, servindo de testemunha de acusação.

Ela não respondeu ao cumprimento, mas falou que o prato estava arrumado dentro do micro-ondas e que iria deitar-se.
O marido foi tomar um banho caprichado antes de engolir a gororoba. E ainda lambeu, como aperitivo, um cálice de conhaque de gengibre.

Quarenta minutos depois, deitou-se ao lado da mulher, que já ressonava de cansada. Ele pôde, então, observar-lhe as olheiras dolorosas e tensas. Pensou de si para consigo: mulher assim é um perigo; pior ainda se estiver nos dias das regras. Aí é um perigo só! É surucucu no choco!
Porém não chegou a arrepender-se da esbórnia, e ainda remancheou na cama por alguns minutos, tentando encontrar uma boa desculpa para o café da manhã, quando, necessariamente, haveria a discussão da relação, que já andava pela bola sete.

Por volta das três da manhã, ao se virar no leito, levou a mão para o lado da mulher, imaginando possibilidades perdidas na madrugada. O gesto foi inútil: ela não estava ali.
Olhou, então, no relógio de cabeceira e viu nos números iluminados: três horas.

Sobressaltou-se. Pulou da cama e não viu luz no banheiro. Caminhou pela meia escuridão da casa e a encontrou na cozinha, fogo ligado, caçarola com água quase à borda, prestes a ferver, as primeiras bolhas soltando do fundo.
- Que está fazendo, mulher?

Com cara de pastel, ela lhe diz que estava fervendo água para o café.
- Mas às três da madrugada, mulher?! – Espantou-se.

- Me deu vontade! – disse-lhe com a mesma pachorra de antes.
Acendeu-lhe o pisca-alerta. E, num átimo, diz para ela:

- Então vou à padaria comprar pão fresquinho.
Foi e não voltou até hoje!

Imagem em noisentranse.blogspot.com.

3 comentários:

  1. Acredito que a mulher nem foi á polícia!... Com sorte pode ser que ele continue sem aparecer!...

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  2. Besta é que ele não era...hahahahaha...lá em Calçado uma matou o desavergonhado do marido enchendo os ouvidos de d'água fervente.

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  3. Rapaz, quando a mulher entra na fase do silêncio, sai de perto que lá vem Medéia!

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