15 de setembro de 2010

QUEM É O AUTOR "DAQUILO"?

Campos dos Goytacazes, 1960, internado do Colégio Bittencourt, na Rua Gil de Góis, próximo ao jardim do Liceu de Humanidades de Campos.

Era um calorento sábado à tarde, quando os poucos que ali estavam, já que era dia de folga dos alunos do regime de internato, começaram a ouvir Lúcio de Lauro a vociferar impropérios, a urrar pelos corredores dos dormitórios, à procura de quem fizera “aquilo”.

Lúcio era rapaz formado, quando eu tinha lá meus treze anos, e estudava no antigo curso Técnico de Comércio, equivalente hoje ao Segundo Grau. Pistonista dos bons, tendo inclusive aparecido numa chanchada brasileira da década de 50, que víramos na sessão de cinema na noite anterior, que o Prof. Clóvis Bittencourt sempre promovia para os alunos, Lúcio também exercia a função de monitor de disciplina dos alunos mais novos do antigo curso ginasial.

Ele tinha acabado de sair do banho e, ao voltar para o quarto, viu “aquilo”, o que motivou toda a sua explosão de ódio. Saiu como um possesso pelos corredores a querer saber de outros monitores que ainda estavam por ali o autor “daquilo”. Quem viu? Quem sabe? Quem fez?

Como é normal, nesses casos, “aquilo” não teve testemunhas: ninguém sabia de nada, ninguém tinha visto nada. E ele, como se possuído, gritava, xingava, vociferava, querendo matar o desgraçado autor “daquilo”.

Naquela tarde, eu estava de bobeira na escola e fiquei assustado com a reação do Lúcio, rapaz um pouco gorducho, educado, detentor de um bigodezinho fino a lhe desenhar o lábio superior, que nunca levantara a voz para nós. Aos gritos, dizia ele, então, para que não mexessem em nada, deixassem tudo do jeito que encontrara ao voltar para o quarto, pois iria mostrar o “malfeito” ao Dr. José Bittencourt, o outro vice-diretor, conhecido pelo rigor com que tratava as travessuras dos alunos.

Só por essa ameaça, fiquei com pena do travesso autor da façanha, pois sabia o que lhe esperava. Mas só fui avaliar mesmo a gravidade do ocorrido e as consequências daí decorrentes, quando, ao entrar no corredor onde ficava o quarto do Lúcio, vi, sobre a mesa de cabeceira, o porta-retratos com a foto de sua bela noiva adornada por um jato de esperma, que o cruzava na direção de sudoeste a nordeste, com respingos em outros pontos cardeais da rosa dos ventos.

Apesar de todas as sindicâncias, nunca soubemos ao certo quem fizera “aquilo”, mas, por via das dúvidas, deram um gancho no Zeca, aluno do segundo ano ginasial, cara de sonso, useiro e vezeiro em aprontar as mais diversas reinações no internato. Pela reação dele ao castigo, até hoje sou muito propenso a reconhecê-lo como o criminoso vertedor de esperma em porta-retratos alheio. E sempre me passou pela cabeça que a atitude foi mera retaliação do Zeca, motivada pela inveja por ter visto Lúcio de Lauro, pistom em punho, todo garboso, tocando num baile de carnaval no filme da noite anterior.

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