28 de setembro de 2010

TIO AURÉLIO

Do alpendre, era possível ver os animais pastando, o milharal subindo pela encosta do morro, os cafezais até as grimpas e o arroz no brejo, à esquerda da casa. Bem diante dos olhos, do outro lado da estrada poeirenta, o pé de jenipapo frondoso fornecia sombra para os burros da tropa. Atrás da casa, fora do alcance da vista de quem estivesse no alpendre, o viveiro de café coberto por um maracujazeiro de frutos generosos. O galinheiro repleto, o chiqueiro e as cevas, onde os capados engordavam. Além do valão, que corria dolentemente sobre um leito de areia limpa, as embaúbas com suas preguiças lerdas de séculos e as bananeiras. Ainda as goiabeiras, os limoeiros, as mamoneiras. Mas, sobretudo, os filhos e os sobrinhos, sempre em corriolas alegres, aumentavam-lhe a satisfação de ter construído alguma coisa de mais sólido, de mais perene. E olhava para tudo, como se olhasse por uma nesga do tempo que lhe antecipasse os dias vindouros. Ele, sempre de bom humor com tudo e com todos.

Com a política do governo para os cafeicultores, também foi obrigado a erradicar seu cafezal, que substituiu por gado leiteiro. E sua propriedade, se continuou rendendo o de sempre, ficou porém pobre de gente, de colonos, de meeiros, de tropeiros, de seleiros, esse povo todo que habitava os campos e as roças.

Agora, em vez da verdura das plantações, ouvia o mugido das vacas e sentia no ar o cheiro de bosta de boi, que, embora ativo, não repugnava.

Os filhos e os sobrinhos cresceram e caíram no mundo, como se diz. A seguir, vieram os netos e tudo continuou na mesma, a vida tocada no compasso da boiada atravessando estradas à procura de pastos.

Um dia, o coração derrubou-o na escada da cozinha, a cabeça batida contra os degraus. Os filhos socorreram, a mulher atendeu-o com cuidado. Recuperou-se. Parecia melhor. Porém o coração em frangalhos, cirurgia impossível. Fosse tateando a vida, redobrasse os cuidados.

Outro dia, o último, o coração fulminou-o quase no mesmo lugar, sem dar tempo a que as lágrimas tivessem esperança. Ele, que soube, principalmente, ser bem-humorado, teve um velório triste, um enterro melancólico, lúgubre. Parece que levou consigo a alegria que andava espalhando da Fazenda do Jacó à vila de Carabuçu.

2 comentários:

  1. Uma homenagem tocante e que me fez relembrar meu querido avô Djalma. Mas, Mestre, melhor explicar pra turma mais nova o que é capado. Pode dar confusão...

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  2. Será, Zé Antonio? Esse pessoal quase todo come porco numa boa!

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