21 de setembro de 2010

PEQUENAS VIATURAS, GRANDES NEGAÇAS

Tomamos um táxi, noite dessas, em direção ao centro do Rio de Janeiro, minha mulher, uma amiga de minha filha e eu. Era um Doblò 2007, como me informou o motorista, que gosta tanto de dirigir como de contar casos.

E fomos indo, via ponte, com os casos dessa máquina quase infernal que dá tanto prazer ao ser humano. Dizia ele, então, provocado pela minha confissão de jamais ter viajado de Doblò, a parecer zero quilômetro, tal o capricho com que o mantém, que o indigitado carro deixou-o na mão certa vez no Aeroporto Santos Dumont. Sem conseguir fazê-lo funcionar, depois de várias tentativas, inclusive com auxílio de outros colegas, acabou ligando para a seguradora, que mandou rebocar o veículo.

Ao chegar à oficina mecânica, o profissional apareceu com um pequeno computador que foi ligado a uma tomada localizada na parte interna do carro, próxima aos pedais. Digitou o modelo e o ano do paciente: Doblò, modelo tal, ano 2007. Imediatamente, na tela, abriu-se a listagem de todos os pontos previstos no programa. Zerou todos os dados, e mandou passar novamente. Cada item foi sendo testado e confirmado com ok. Ao final da extensa listagem, apareceu mensagem dando conta de problemas na bateria, que deveria ser trocada. Contrariado, porque, segundo ele, a bateria não era tão antiga, dirigiu-se a uma loja perto da oficina, na Rua São Lourenço, comprou bateria nova e a instalou no possante. O mecânico repassou o tal check-list eletrônico que acusou tudo em ordem. Mandou-o ligar o carro. O bitelo pegou que foi uma maravilha. Então perguntou pelo preço. Duzentos e oitenta reais, disse o homem. O motorista reclamou, dizendo que ele não tinha usado uma chave de fenda sequer, não havia sujado as mãos, muito menos o macacão, e que o trabalho não exigiu nem uma hora sem graxas e fuligens. É, mas essa máquina me custou mais de oito mil reais, disse o mecânico. O motorista pagou e se amarga até hoje o valor do serviço, saudoso dos carros de outrora, muitos deles consertados até com um palito de fósforo.

Pois foi o que aconteceu com um velho Passat que eu tinha. Já o comprei usado, um tanto gasto pelo tempo. Quando voltava de uma viagem a Miracema, já tendo passado por Santo Antônio de Pádua, diante de Marangatu, pela RJ116, resolvi elogiar o carro. Foi terminar a frase e o motor se apagar lentamente, com o último suspiro dos agonizantes. Como vinha embalado, tive tempo de embicar o morto em direção à vila, ao lado da estrada. Com o que restou de empuxo, consegui estacionar na pracinha, diante de uma venda, desses estabelecimentos comerciais do interior que vendem de um tudo.

Dirigi-me ao caixeiro, um homem um pouco mais velho que eu, e perguntei-lhe sobre mecânico que me pudesse socorrer. Ele se lamentou por não haver nenhum na vila, só em Pádua, que ficara já há uns bons quilômetros atrás, mas me indagou sobre o que estava acontecendo. Ciente da situação, prontificou-se a ver o carro. Sabe como é, não sou mecânico, mas de Volkswagen todo mundo entende um pouco, disse-me ele. Pediu que virasse a ignição. O bicho pegou. Mandou que eu engatasse a marcha e saísse. O bicho desfaleceu, sem forças, moribundamente. Pediu que abrisse o capô. Olhou nas entranhas do desfalecido e foi até a sua venda, de onde trouxe um palito de fósforo. Tirou a cabeça e colocou o pedaço do palito no platinado que estava colado, restabelecendo a distância regulamentar do troço. Explicou o que fizera e perguntou-me para onde estava indo. Disse que era para Niterói, ao que ele garantiu que poderia viajar tranquilo. Quando chegasse, deveria dizer ao meu mecânico o que tinha sido feito. Vim sem problema nenhum, por mais de duzentos quilômetros. Meu mecânico avalizou o jeitinho do vendeiro.

Antes desse carro, porém, tive uma Brasília, comprada após dois anos de uso pelo antigo proprietário. O carro estava muito bom, mas fiquei com ele por muito tempo. Num verão qualquer do início dos oitenta, íamos para Miracema, desta vez via Teresópolis. Saímos no final da tarde e paramos no Alto do Soberbo, para o primeiro pit-stop de uma viagem com filhos pequenos. Após o lanche, já noite, retomamos a viagem, agora sob intensa chuva. A amaldiçoada máquina não andou quinhentos metros e parou. Deixei mulher e filhos dentro do carro e voltei à lanchonete, para pedir ajuda. O proprietário informou que o mecânico ficava bem mais abaixo, mas também quis saber o que acontecera. Então lhe expliquei que o carro, após ter passado por uma revisão, vinha bem, cheio de soberbas, até aquele ponto. Quando retomei a viagem, lentamente foi morrendo. Quis saber a marca do carro. Perguntou se era de dois carburadores. Disse-me ter uma igual e deu-me um saco plástico com água, recomendando que fizesse um pequeno furo numa das pontas e jogasse a água sobre a bomba de gasolina lentamente. Segundo ele, aquele modelo era danado para esquentar a bomba de gasolina e colar uma borracha, fazendo a vedação da passagem do combustível. Subi de volta ao carro, tirei a tralha da tampa do motor, que ficava na parte interna da carroceria, e apliquei a água fria sobre a bomba de gasolina. Entrei no carro, liguei o motor e chegamos a Miracema, a mais de duzentos quilômetros de distância, sem mais problemas.

Meu velho Passat de parágrafos acima já dava mostras de precisava de uma boa lanternagem e de pintura geral. Depois de voltar de uma viagem ao Sana, na serra de Macaé, a que cheguei por uma estrada sinuosa e com o piso terrível, cheio de pedras e buracos, levei o doente à oficina do meu amigo Dino, no Largo de São Jorge. Ele examinou bem o carro, coçou a cabeça e me disse o preço, que não era nada exagerado. O Dino sabe trabalhar, mas não mete a mão no bolso do cliente, segundo ele, que é para o cliente voltar. Ao final do prazo, voltei para pegar o carro e ele me disse que, ao desmontar a porta dianteira direita, constatou que a ferrugem já havia comido a barra de sustentação. Estranhou como o carro não tivesse partido a lataria naquela estrada péssima. E, ainda, falou zombeteiramente que, se isso tivesse acontecido, o valor do carro não pagaria o preço do reboque. Fechou sua prosa dizendo:

- É a última reforma que faço nesse carro. Vê se toma vergonha e compra um carro novo.

Na época, porém, eu era funcionário de um governador cujo nome é melhor não dizer, que foi a maior praga que o funcionalismo, sobretudo o da Justiça do Estado do Rio, teve de suportar. Vivíamos à míngua. Por isso mesmo, o carro voltou ainda algumas vezes para um remendo, a despeito do aviso do amigo.

Um comentário:

  1. Lembra do ditado: "usou, lavou, tá novo"? Hoje tá mais pra "usou, lavou? Danou-se!".

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