14 de julho de 2013

ENQUANTO CUIDO DO MEU NETO


(Para meu pai Argemiro, in memoriam, e meu neto Francisco.)

Enquanto cuido do meu neto

Vem-me à memória

Com forte odor afetivo de muitos anos

As maçãs que meu pai trouxe na mala

Ao voltar do Rio de Janeiro

Num dia qualquer da minha infância


O cheiro doce das maçãs

Recendia no quarto único

Da casa pobre do interior

E me fazia viajar por lugares

A que nunca havia ido – nem jamais fui –

Nem mesmo desconfiava que existissem

Mas que supunha estarem muito longe da vila

Lugares destinados apenas a produzir maçãs

Olorosas que  elas

A ficarem definitivamente em minha memória olfetiva

Esse misto inseparável de nariz e lembrança

Que o tempo constrói dentro da gente

Indelevelmente


Meu neto está aqui ao lado

Miúdo indefeso inocente

E nem desconfia de que quem cuida dele

Neste exato momento

É apenas um menino perdido num tempo ausente


Paul Cézanne, Natureza morta com maçãs, 1890 (em ruadireita.com).

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