15 de abril de 2013

MINHA MÃE


Minha mãe, dona Zezé, sempre gostou de um bom papo. De contar histórias.
Seus cinco filhos foram criados ouvindo histórias. Da família, dos habitantes da vila, da Bíblia, histórias da Carochinha. Histórias exemplares ou bem humoradas.

E gosta muito de conversar. Sempre nas noites frescas do interior, quando ainda morávamos em Carabuçu, levava a cadeira para a calçada da Dona Flor, nossa vizinha, e ficava conversando longamente com ela e outras que se juntavam ao grupo, enquanto nós brincávamos por perto.
Quando me cansava de correr pelas ruas mal iluminadas, vinha ficar com ela e, às vezes, me deitava sobre a calçada, ouvindo a conversa e olhando o céu, coalhado de estrelas tremeluzentes.

E tem muito gosto por ler. Ficção, poesia, livros religiosos, livros sobre atualidades, biografias. Através dela, li os primeiros livros de poesia, ainda menino: Casimiro de Abreu (Canção do exílio e outras poesias de Casimiro de Abreu) e Raimundo Correia (Poesias). Semanalmente comprava de seu Osório a revista O Cruzeiro, de que mantinha uma grande coleção.
E esta sua predileção por poesia a levou a também ser poeta. Lançou, inclusive, em agosto de 2010, seu Reino dos sonhos.

Também sempre gostou de cinema, que não tinha oportunidade de ver, pelos encargos de mãe, pelas vicissitudes de morar numa pequena vila do interior e, talvez, pela economia que deveria fazer, para controlar as finanças minguadas da família.
Mas estava sempre antenada, por suas leituras e pelo noticiário radiofônico, dos lançamentos no Rio de Janeiro, que tempos depois certamente apareceriam por lá.

Em Bom Jesus havia um bom cinema, o Cine Monte Líbano, do libanês Merhige Hanna Saad, que, mais cedo ou mais tarde, traria os grandes filmes. E, com certeza, seus irmãos mais novos – Paulinho e Cate – os veriam, para depois, ao lado do fogão em que preparava nosso almoço ou fazia os pés de moleque famosos na vila, contar-lhe toda a trama, do início ao fim, ao the end. Às vezes eu também participava desse cinema falado, oportunidade em que observava o grande interesse que ela tinha pela narrativa dos irmãos.
Algumas poucas vezes, ela foi assistir a um filme no salão do Liberdade Esporte Clube, quando sazonalmente havia exibições da Sétima Arte em Carabuçu. Um deles, lembro-me bem, pois a acompanhei, foi  O cangaceiro, de Lima Barreto, com Milton Ribeiro no papel de Lampião. O filme é de 1953, como apurei na Wikipédia, porém não me recordo do ano em que foi levado à tela na vila. Talvez um ou dois anos depois.

Outro dos seus gostos era por teatro. Na vila, rarissimamente havia algo parecido com teatro, embora não se possa dizer que estivéssemos virgens nesta arte. Os circos mambembes que por lá apareciam sempre terminavam seus espetáculos com um drama. Mas seu desejo era ver uma peça feita em moldes profissionais. E me pediu que, quando viesse a Niterói, eu a levasse a um espetáculo. Porém com a recomendação expressa de que não houvesse palavrões.
Deveria ser a década de 80. Eu e Jane íamos muito a teatro, até porque ela se formara no curso de ator da Escola Martins Pena. Aliás, devo confessar, foi por Jane que passei a gostar desta arte. Dentre as várias peças que naquele ano tínhamos visto, escolhemos uma estrelada por Sônia Braga, Gracindo Júnior, Osmar Prado e Norma Blum, Weekend, se não me trai a memória, em que não notamos palavrões.

Levamos lá minha mãe, e qual não foi nosso espanto ao verificar, na segunda audição, que a peça era repleta de palavrões, porém todos tão bem encaixados no texto que, da primeira vez, não os percebemos. Na saída, ela, irônica como sempre, nos disse:
- Agora vocês me levem a uma que tem palavrões, para ver como é!

Há cerca de dois meses, nós a levamos para conhecer a nova Livraria Cultura, instalada no antigo Cine Vitória, na Rua Senador Dantas, no Centro do Rio de Janeiro. E pudemos observar como seus olhos brilhavam diante daquela infinidade de livros.
E, certamente, um dos presentes que mais aprecia é livro.

Hoje mesmo, está ela ainda sofrendo o luto pela perda de seu companheiro de mais de sessenta e seis anos, em janeiro, fazendo das tripas coração, como se costuma dizer diante das adversidades, mas com a força das mulheres que sabem seu papel na família e, apesar de tudo, ainda aproveitam o que lhes aparece de oportunidade, para tornar a vida um fardo mais leve.
No fim de abril, ela completa 87 anos, e esta crônica é em sua homenagem.

Bença, mãe!
Dona Zezé fazendo seus famosos pés de moleque (foto do autor).

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