15 de agosto de 2012

COTIDIANO




Na fábrica, pegava a porca, engraxava o parafuso, encaixava ele nela, enroscava os dois até grimpar e dizia com ar satisfeito: Eta parafusinho bem arroxado!
Na hora do almoço, esquentava a marmita atulhada, sentia seu peso, pegava o garfo, comia com a boca cheia e dizia feliz: Eh marmitinha bem comida!

Depois do almoço, palitava os dentes, bebia um bom gole d’água, tomava cafezinho, dava um arroto espaventoso e falava cheio de gases: Ê arrotinho bem puxado!
Ao final do trabalho, ia para o bar, tomava chopinho, comia tremoços, traçava uma cana firme, destrinchava sardinhas, ficava de pileque e balbuciava meio pastoso: Eia ferrinho bem tomado!

Pegava o trem sempre lotado, empurrava daqui, apertava dali, avançava sem querer, descontava do lado, tirava o pé de baixo, reclamava do parceiro e gemia contrariado: Que trenzinho mais desgraçado!
Chegava a casa cheirando a suado, nem queria saber da mulher, os filhos já dormindo, deitava como um porco, roncava feito um urso hibernando e sonhava: Mas que sonhinho arretado!

A mulher esperava apenas o terceiro ronco, abria a porta, chamava o vizinho, deitava no sofá, arreganhava as pernas, o sarro comia até lá pelas tantas e dizia no fim: Eh maridinho bem corneado!
Bem cedo, acordados, ela fazendo a marmita, a discussão já começava, sua vaca, seu viado, sua piranha, seu filho-da-puta, os filhos chorando, gritando, e os vizinhos pensando: Eta casalzinho mais safado!


Imagem em accorrea.com.br




(Publicado originalmente em Gritos&Bochichos, em 7/3/2010.)

3 comentários:

  1. Hihihihihihihihihihi...o amor é mesmo lindo!

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  2. Taí uma porca e um parafuso que nunca deviam se enroscar.

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    1. Mas talvez seja aquela história de que sempre há um parafuso enferrujado para uma porca grimpada. Ou vice-versa, nunca se sabe. Mais ou menos por aí, Paulo Laurindo.

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