8 de setembro de 2010

ZÉ DO OVO

Na brincadeira de crianças, os dois irmãos resolveram matar porco, como a mãe costumava fazer. Só que o porco era o Zé do Ovo, menino meio aluado das ideias, praticamente criado com o casal de irmãos. A mãe, quando chegou ao terreiro, ainda teve tempo de salvar o pobre coitado da morte certa, o filho já com a faca na mão, preparando-se para enterrá-la no sovaco do porco. A mãe acabou com a brincadeira de mau gosto, explicou tudinho para os meninos, parassem com aquilo que o Zé morreria de verdade.

Cresceram juntos. Teteca e Zé do Ovo aprenderam a fazer coisas de meninos, de rapazes, de homens, inclusive a beber cachaça. Zé, meio filho de criação, meio garoto de mandados, as ideias cada vez mais embaralhadas, vez em quando sumia no mundo. Voltava contando histórias de patrões que lhe pagavam apenas com um miserável prato de comida o trabalho duro da roça. Vinha seco, mais magro que a necessidade, e ficava novamente por uns tempos, se retemperando, se abastecendo. Então tornava a sumir.

Reaparecia crente, batista, presbiteriano, testemunha de Jeová – sabe-se lá! –, abstêmio, com horror ao álcool, ao pecado, andando de paletó puído nos dias de culto, quando, então, tirava o surrado chapéu de palha da cabeça, penteava o cabelo de lado e se empapava com uma água de colônia que a irmã postiça lhe presenteara. E, assim, saía cheiroso porta afora na direção da igreja.

Voltava a beber, parava, recomeçava. Sumia por outros tempos.

Uma tarde brumosa, cheia de pressentimentos, chegou a notícia de que, ao passar por uma pinguela sobre um corgozinho à toa, teve vertigem de fome, de fraqueza, e caiu com a cara no filete dágua. E lá ficou até que seus pulmões se encheram, se abarrotaram, explodiram, e ele morreu sem a mínima glória, sem a menor atenção do Criador, no desamparo trágico da existência. Uma vida tocada a ingenuidade do princípio ao fim!

2 comentários:

  1. Todos nascemos e morremos sozinhos mas tem uns que parecem mais sozinhos que outro. Ô condiçãozinha humana!

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  2. Mestre, quantos zés do ovo conhecemos lá por nossas bandas...comovente!

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