25 de maio de 2013

TOBIAS BODE VELHO


Alzirinha pegou o marido Tobias masturbando-se, no fundo do quintal, sob uma mangueira frondosa, olhando a foto de uma cabrita que eles tiveram por alguns anos e que fora vendida para virar cabritada à napolitana, no casamento de um amigo do casal – a cabra Mimosa.
Ela, apoplética, só teve tempo de gritar, a plenos pulmões, antes de desmaiar:
- Tobias!
Hoje, passados quatro anos da separação litigiosa do casal – a fotografia serviu de prova contundente contra o marido -, o barulho do grito da mulher ainda reverbera nos tímpanos de Tobias.
Antes ele não tivesse cometido aquele ato, mas era praticamente impossível, diante de tanta mimosura caprina.
A mulher, havia alguns anos, negava fogo, sempre que ele chegava do jogo de sinuca, a cuca esquentada com incertos goles de conhaque de gengibre, a querer saliências com ela.
Alzirinha já havia aposentado suas partes, em pensamento, embora ainda se dispusesse a atender o marido nessas horas incômodas do dia. Ia, por ir, mas era como se não estivesse nem ali. Enquanto ele se esforçava, bufava, suava, ela ficava olhando o teto, pensando nas providências a tomar no dia seguinte: faria um angu com galinha ao molho pardo, ou uma carne-sequinha espelhada com aipim frito, ou mandaria a empregada vasculhar as teias de aranha do telhado?
Depois que Tobias se dava por satisfeito – por vezes, isso demorava um pouco, pois o desempenho não era mais essas coisas todas –, ela se levantava, ia até o banheiro para se lavar, “ariava os dentes”, como dizia, e ligava o rádio de cabeceira para saber das últimas catástrofes do noticiário. E, pensava, nenhuma era maior que a sua: ter de suportar com estoicismo um marido cheio de fogo àquela altura da vida e, pior, sempre com bafo de conhaque de terceira categoria.
Mas o que fazer? Era casada com comunhão de tudo, e tudo deveria suportar, em nome da estabilidade daquele arremedo de lar.
Contudo, a gota d’água que faltava para que seu pote de tolerância derramasse ocorreu exatamente naquela tarde de terça-feira, quando resolveu ir até o fundo do quintal colher cebolinha verde e salsa, para a canja do jantar. Pegou em flagrante delito de autossexo, se é que isso exista, o marido nojento e insuportável. E só teve tempo de gritar-lhe o nome odioso, antes que desfalecesse diante de tamanha ignomínia.
- Tobias!
No dia seguinte, refeita do piripaque, procurou o escritório do Doutor Florêncio, para exigir o fim do consórcio nupcial. Não poderia conviver com alguém que se satisfazia solitariamente e, ainda mais, tendo por inspiração a cabra de estimação da família por tantos anos.
E amaldiçoou o instante em que aceitara de seu próprio pai, como presente, aquele filhotinho inocente de um bicho que muita gente tem como parceiro do demo. A cabrita deveria ter lá seus encantos ou o marido era definitivamente um tarado de marca maior, era o que pensava. E ficou com a segunda hipótese, pois nem mesmo um cheirinho de leite de rosas a cabra possuía.
A princípio, ela quis a anulação do casamento, o que não foi possível. Conformou-se, então, com o desquite litigioso, de que fez questão, pois não queria ser conivente, em nenhuma hipótese, com a situação, nem mesmo fazer acordos com o amante da cabrita.
E, nas barras da justiça, Tobias viu seu pouco prestígio baixar à cova rasa do opróbio.
Agora, passados quatro anos, ele ainda ouve, nos momentos de silêncio em que a vila mergulha, depois da novela das nove, o grito lancinante da ex-mulher, a persegui-lo noite adentro, até que o sono tome conta de seu corpo.
- Tobias!
Até mesmo com os parceiros de sinuca perdeu a estima e só pode pegar no taco, quando aparece algum neófito na arte das encaçapadas. Os bons jogadores, esses que fazem o nome de qualquer mesa, não o desafiam mais para uma partida. O amor concupiscente pela cabra acabou por liquidá-lo.
E, ao passar pelas ruas, é identificado por todos como Tobias Bode Velho, viúvo da cabra Mimosa.

Imagem em rezboa.blogspot.com.

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