18 de maio de 2013

A GATA


Tinha viajado e deixado minha gata com meu primo Olavinho.
Reconheço que Olavinho não seria a pessoa mais indicada para tomar conta da gata. Mas elaborei um manual de instruções completo, deixei as rações, os brinquedinhos dela, o número do telefone do veterinário, e resolvi ir passar uns dias em Canoa Quebrada, a fim de tirar das costas um ano de aporrinhações no trabalho.

E, mal desarrumei a mala, recebi a ligação do primo:
- Trajano, sua gata não está respirando.

- Como não está respirando, Olavinho? Que informação é essa?
- Pois é! Parou de respirar. Eu até chamei o veterinário.

- E o que ele disse disto, Olavinho? Não estou entendendo! Se parou de respirar, é porque não está mais viva. É isso, Olavinho?
- Pois é! É mais ou menos isso!

- Como mais ou menos, Olavinho?! A Penélope – este é o nome da minha gata –, afinal, está ou não está viva?
- Pois é!

- Porra, Olavinho, pare de falar pois é e diga logo o que aconteceu!
- Morreu, porra! Sua gata enjoada e cheia de chiliques parou de respirar, porque morreu, empacotou, passou desta para melhor! Entendeu, porra?! – disse Olavinho, com uma carrada de sinceridade que me espantou. E continuou. – Eu estou aqui, querendo te dar a notícia, com cuidado, para você também não ter um chilique, e você me apertando. Pois é isso mesmo: a Penélope mó... rreu!

O filho da puta do meu primo ainda imitou o Tiririca, para dizer que minha gata de estimação havia falecido.
Não se dá uma notícia assim desta forma.

- Porra, Olavinho, isso é jeito de dar essa notícia?!
- Você queria que eu começasse dizendo que ela subiu no telhado? Ah, Trajano! Isso é muita frescura para mim. Você e essa gata sua... Por que não arranja uma gata mulher para cuidar, Trajano? Aí duvido que você a deixasse comigo, ao viajar! Agora, esse bicho cheio de manias, esquisito à beça, que olha para gente com soberba, você empurra pra cima de mim.

- Tá bom, Olavinho! Tá bom! Depois a gente discute esse negócio de mulher. Mas me diga o que aconteceu e que providências você tomou.
- Não tomei providência nenhuma, a não ser chamar o veterinário, que constatou a morte. Ele disse que foi o coração dela, já muito velho, que parou de funcionar. Agora quero saber o que faço com esse cadáver aqui. Vou botar numa caixa de sapatos e enterrar no fundo do quintal.

- Pelo amor de Deus, Olavinho, você não vai fazer essa desfeita comigo: colocar a Penélope numa caixa de sapatos! Quero um enterro digno para ela, com caixãozinho de verdade.
- Acho que você está querendo muito, Trajano. É melhor resolver isso logo, antes que a gata comece a feder. Se duvidar, jogo a bicha no latão de lixo ali da pracinha.

- Se fizer isso, Olavinho, nunca mais falo contigo e você ainda vai ter de me pagar aquele empréstimo que te fiz o ano passado, assim que eu chegar aí. É guerra?!
- Tá bem, Trajano! E onde eu encontro essa porra de caixãozinho de gato? Em alguma petshop?

Dei as instruções de onde comprar o ataúde felino, recomendei, então, que ela fosse enterrada embaixo da jaqueira que tia Ponciana, mãe dele e irmã da minha mãe, havia plantado há tantos anos, e que ele, Olavinho, fizesse um túmulo com pedras roladas de vários tamanhos, que ele podia também comprar na petshop.
Depois de ouvir tudo e se submeter à minha vontade, a fim de abrandar meu coração de credor enfurecido, Olavinho resolveu fazer a última pergunta:

- Trajano, com quem você está aí em Canoa Quebrada? Não vá me dizer que viajou sozinho!
- Porra, Olavinho! Claro que não! Vim com a Maria Clara, aquela colega da empresa, do Recursos Humanos.

- Aquela gata gostosona, Trajano, que todo mundo fica de olho em cima?
- Ela mesma, primo!

- Sabe de uma coisa, primo: você pode até me cobrar o dinheiro, mas depois dessa vou é jogar a Penélope no latão do lixo. Vai te catar, Trajano! Com uma gata dessas embaixo da sua pessoa e choramingando por um bicho que nem cafuné te faz.
E desligou o telefone o miserável!

Vou cobrar o dinheiro assim que desembarcar no Tom Jobim. O filho da puta é que vai me esperar lá, com o meu carro, que deixei com ele para as esbórnias de fim de semana.
Imagem em gartic.uol.com.br.
 

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