27 de maio de 2013

OS EFLÚVIOS DO VINHO


Às vezes me move o vinho. Não que me embriague, mas que me inebrie com seus eflúvios alcoólicos e me faça ver a vida com mais complacência. O vinho benfazejo, o vinho repartido – com a mulher, com os amigos – torna a vida mais branda, mais palatável.

Sempre fico esperando que a temperatura baixe, ou pelo menos amenize, ocasião própria a que se tome vinho.

Todos têm seus nós pelas costas, como dizia meu querido pai. Também tenho os meus, bem que pequenos e nem tantos assim. Um deles é a predileção quase religiosa pelo vinho tinto, tânico, potente. Mas bebo todos sem preconceito, porque, inclusive, não está na moda ter preconceitos de nenhuma espécie. Assim, segundo a ocasião, aceito os brancos, os rosados, os espumantes, os fortificados, os licorosos, os destilados de vinho.

Porém, dos tintos, começo por beber os portugueses, de minha preferência. E sigo com os italianos, os espanhóis, os franceses, os nacionais, os sul-americanos de modo geral. Mas prefiro aqueles que têm uma longa história por trás e, sobretudo, os que não sejam varietais. Prefiro os misturados, vinhos de corte, os produzidos por diversas uvas.

Até já estive pensando por que, diabos, gosto mais dos vinhos portugueses. É que sempre tive uma queda por nosso país irmão. Em princípio, pelo amor desesperado pela língua que nos legaram. Depois por toda a cultura de que somos continuadores.

Muitos hão de dizer que também os portugueses nos legaram alguns problemas. E que colonizador não deixou problemas? Entretanto, lembro-me de José Saramago, em entrevista a Jô Soares, dizendo não ser compreensível que, depois de tanto tempo, ainda não pudéssemos viver pelas próprias pernas e assumir a parcela que nos cabe em nossas próprias vicissitudes, ficando a repetir, a repisar a mesma e velha história da herança portuguesa.

Mas isto não vem ao caso agora. Estou falando de vinhos.

O romano já dizia que a verdade está no vinho – In vino veritas – e, de fato, não conheço bebida melhor para soltar a língua, para liberar qualquer tipo de timidez com as palavras como o vinho. É certo, todavia, que os romanos o usavam para arrancar dos prisioneiros o que queriam saber. E os empanturravam de vinho, a fim de que dessem com a língua nos dentes e revelassem bem guardados segredos militares de seus inimigos.

Os gregos antigos cultuavam o vinho através de Dioniso (o Baco, dos romanos) e se imaginavam em ligação com o deus, quando o calibre do álcool atingia o equilíbrio do corpo e a sensatez da razão. A palavra simpósio, por exemplo, que nos veio do grego, significa literalmente “beber junto, em companhia”. Era a festa para beber vinho, promovida pelo grego para seus amigos. Seu sentido primordial era mais gostoso do que o de hoje. Às vezes, há simpósios maçantes e insuportáveis!

Ambos, romanos e gregos, faziam assim das libações com vinho um momento de confraternização e, às vezes, de orgia (as bacanais e as dionisíacas), bem verdade. Hoje não chegamos a tanto. Contentamo-nos com juntar os amigos, as pessoas queridas, para esses momentos de descontração e fruição que só um bom vinho é capaz de proporcionar.

E tocamos a falar com pelos cotovelos, com alegria e prazer.

Evoé, Baco!
 
Ficheiro:William-Adolphe Bouguereau (1825-1905) - The Youth of Bacchus (1884).jpg
William-Adolphe Bouguereau, O jovem Baco, 1884 (em pt.wikipedia.org).
 

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