Os homens normalmente
tinham bigode amplo, daqueles que enchiam todo o lábio superior, parecendo um
dormente de estrada de ferro, como já disse. Os mais jovens já não davam tanta
importância a este acessório capilar labial, embora meu tio Paulo, o mais novo
dos irmãos de minha mãe e que odiava ser chamado de tio, o tivesse. O jeito do
bigode dele era o do Jacob do Bandolim, e preto. Já viram uma foto do Jacob do
Bandolim? Pois é, daquele jeito!
As pessoas
mais simples bebiam pinga, que tinha vários nomes, um deles muito engraçado:
camulaia. E bebiam de um sorvo único, após deitar ao chão, no canto do balcão
ou na rua, o gole do santo. Comumente o tira-gosto era uma cara feia, uma
espécie de urro contido, uma imprecação contra o forte paladar da mardita, uma cusparada longe, que quase
atravessava a rua. Ou se jogava um punhado de farinha na boca; ou se comia uma
lasca de carne-seca crua, com uma rebarba de gordura, para amainar o ardor.
Já os que
gostavam de beber cerveja quase só bebiam Brahma. Era como uma bebida única. Por
esse tempo Brahma e cerveja eram sinônimos. Como gilete, que, da marca
Gillette, passou a substantivo simples designativo da lâmina de barbear.
E havia uma
venda em que a cerveja era resfriada em sal grosso num buraco no chão. Era a
venda do Elói Andrade, no morro do colégio. Mas em bares mesmo, já havia
geladeiras horizontais. Tio Tônio, Antônio Chambão, Barrosinho, Roldão, Almerando, seu Mateus, por exemplo, até faziam picolés. Tio Tônio também fazia sorvetes: punha a
mistura para ser batida numa cilindro giratório, mergulhado em salmoura gelada,
até que ela atingisse a consistência desejada.
E quase
todos fumavam cigarro Continental sem filtro. Filtro, então, era coisa de gente
fraca, coisa de mulher. Alguns mais sofisticados preferiam Hollywood, também
sem filtro. Meu pai só fumava Missbela, mais barato. E, quando este encareceu,
passou para o Postal. Diziam que era muito forte. Mas meu pai só fumava uns
quatro por dia, em determinados momentos. João Coleto, primo de meu pai,
gostava de Liberty Ovais, em caixa de papelão retangular.
Outros
fumavam fumo de rolo, que picavam com canivete e trituravam na concha da mão
com o polegar e depois enrolavam em palha de milho seca ou em papel especial para
cigarro. Havia ainda fumos já preparados para isso, que eram vendidos em
embalagens parecidas com as do cigarro. E poucos outros, sobretudo das roças,
fumavam cachimbo, que baforavam rapidinho para que mantivessem vivo o fogo, ao
tempo em que soltavam uma fumaceira danada nos circunstantes.
Um dia, o subdelegado
da época apareceu fumando com piteira. Ela devia ter quase dez centímetros de
comprimento. Talvez mais. As más línguas diziam que foi por ele ter interpretado
erroneamente a recomendação do médico de que deveria afastar-se do cigarro.
Quando se
tratava de time de futebol, a maioria era Vasco da Gama, o time mais popular no
interior por aqueles tempos. Poucos eram Flamengo; menos ainda, Fluminense. Meu
pai, meu avô e todos lá em casa, excetuando-se minha mãe, éramos Botafogo. Meu tio
Paulo era Bangu. Seus irmãos tinham, cada um, um time: tio Aylton, Fluminense; Cate,
Botafogo; e Louro, Vasco. Meu outro tio, Aurélio, este emprestado, pois casado
com uma irmã de minha mãe, era América. Outro tio do mesmo tipo, o Herson, era igualmente
Fluminense.
Também se fazia
um uso extensivo do chapéu. A quase totalidade dos homens que morava nos
arredores da vila o usava. Na vila, que chamávamos de Rua, muitos homens cobriam
a cabeça com ele, sobretudo os mais velhos. Podia ser chapéu de feltro ou
chapéu de palha. Raramente se via um chapéu Panamá, que tinha fama de muito
elegante e caro. Alguns homens usavam guarda-sol, que se transformava em
guarda-chuva, conforme o tempo. As mulheres tinham sombrinhas. Nos verões, era
comum ver pessoas caminhando sob a sombra do guarda-sol ou da sombrinha.
Os que
vinham das roças em torno da vila sempre vinham a cavalo, mesmo que a montaria
fosse um burro, uma mula, mais comuns no transporte individual. E deixavam seus
animais em cocheiras, que eram três, ou amarrados diante das vendas onde faziam
as compras da semana. Muitos dos habitantes da Rua tinham bicicletas, que
serviam muito bem para os minguados percursos da vila. Automóvel mesmo, só o do
seu Amim, libanês que o usava para carro de praça (Não empregávamos a palavra
táxi.); o do seu César Portugal, que foi prefeito do município e tinha um preto
do tipo cristaleira, bem antigo, mas que ainda rodava; o jipe do seu Torquato Andrade,
o do seu Nelson Mota, da Fazenda da Liberdade, e a caminhonete do tio Nalim. Posteriormente,
tio Aurélio comprou um fusca, para ir do Jacó à Rua, e era engraçado vê-lo preenchendo
aquele carro apertado com seu tamanho e sua gordura. Alguns tinham caminhões
que serviam, sobretudo, ao transporte da produção da lavoura.
Um acessório
mecânico que quase todos os adultos usavam era o relógio: de bolso, os mais
velhos, e de pulso, os mais jovens. As marcas preferidas eram Omega, que se dizia
oméga, e Lanco. O Patek Philippe era
tido como muito caro. Um pouco depois começaram a aparecer relógios japoneses,
para os quais os mais entendidos torciam o nariz.
Eu mesmo achava
muito elegante o relógio de bolso. Gostava de ver o gestual da pessoa a
consultar as horas, a dar corda no relógio, que se prendia por uma corrente à
presilha da calça. Até tive um, quando vim para Niterói. E dei alguns de
presente para meu pai. Mas, depois, as próprias calças deixaram de ter o bolso
apropriado para a sua guarda e eles praticamente entraram em extinção, como os
gaturamos e avinhados da minha terra.
Era mais ou
menos assim. Lá pelas décadas de 50 e 60 do século passado, na minha pequena vila de Carabuçu.
Relógio Omega, dito Ferradura, pois se desconhecia o símbolo - a letra grega ômega - que era confundida com uma ferradura (imagem colhida na internet).
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