29 de novembro de 2010

O DIREITO INALIENÁVEL AO PITACO

Uma das características básicas do comportamento humano, observada sobretudo no cidadão urbano, é a capacidade, quase inesgotável, de dar pitaco em qualquer coisa. Ser palpiteiro nos mais diversos assuntos, principalmente naqueles para os quais não se está habilitado, é um direito inalienável da pessoa física, essa que não é pega na malha fina do imposto de renda. Também, se houver habilitação, aí já passa a ser opinião abalizada, contra a qual se levantarão dezenas de juízos contestantes, aliás quase todos muito bem fundamentados.

O palpiteiro tem praticamente imunidade em seus pitacos e chega ao máximo do seu desempenho quando, diante de uma situação, não diz palavra, apenas manifesta sua avaliação através de uma interjeição: Xiiiiiiiii! Nesse momento, se você estiver fazendo alguma coisa, pode parar, suspenda a ação, porque fatalmente ouvirá a seguir: Sabia que não ia dar certo! E, quanto mais longa for a interjeição, maior a chance do insucesso da sua empreitada.

É que o palpiteiro é especialista em generalidades. Tecnicamente não sabe absolutamente nada de coisa alguma, mas é provido pela natureza de um sentido extracorpóreo, parente próximo da mediunidade, que o torna quase um contador Geiger para as mais diversas situações. Quando o palpiteiro acumula a função de sogra, aí, então, a propabilidade de erro zero para os pitacos que lança no dia a dia é quase cem por cento. Sogra palpiteira é mais fatal que chumbinho com guaraná. Acerta todas!

Se você contrata um mandingueiro, um especialista em botar reparo na vida dos outros, paga por um serviço, com vela, cachaça, arreio em touceira de bambu e outras mumunhas mais, pode ter certeza de que o serviço não funcionará. Coisa muito bem trabalhada não dá certo, não vai adiante. Veja todos os planos de governo. Se for um encosto, não pega. Se for uma praga na ex-mulher, no ex-marido, ele e ela continuarão a vida de folgança ainda mais proveitosa. Se for uma orientação espiritual para resolver grave problema por que está passando, o problema se agravará. Agora, se um mané qualquer der um pitaco na vida, por exemplo, da pobre colega de trabalho da mesa do lado, seguramente ela levará um pé na bunda no fim do mês, vai perder o namorado, a marmita vai cair no cais da estação do metrô ou vai torcer o pé exatamente com a sandália recém-comprada.

(Imagem em periplus.blogspot.com.)
 A melhor ocasião para se flagrar um palpiteiro em ação é quando há um ajuntamento de pessoas na rua em torno de alguém caído, por qualquer motivo: atropelamento, desmaio, queda, piripaque. Com uma voz anônima, vinda de lugar incerto e não sabido, quase sempre do fundo do ajuntamento, alguém dará o pitaco certo para salvar a criatura. Ou para metê-la ainda mais em apuros. Mas o pitaco será dado, sem dúvida nenhuma!

Há também os palpiteiros oficiais, com salários polpudos nas diversas esferas da administração pública. Lembram-se do último apagão e de quantos pitacos ouvimos das mais diversas autoridades acerca do que acontecera? Até hoje não sei qual deles foi o mais eficiente. Porém, quando o pitaco é do governo, bem provavelmente estará errado. E a vocação da nossa política externa para dar pitaco no concerto das nações? Na matéria, somos insuperáveis.

Eu, contrariamente a essa turba cada vez maior de palpiteiros, tenho horror a dar pitaco na vida alheia. Vai que eu acerte num momento negativo? Olha a minha fama de ave de mau agouro, de boca de cumbaca. Mas tenho também os meus palpites. Agora, por exemplo, acho que você está muito tempo em frente ao computador. Isso talvez lhe faça mal aos olhos. Essa xícara de café ao lado do teclado pode virar. Se derramar em cima das teclas, adeus teclado! E essa sua cor de pele, não acha que está um pouco esquisita? Tome um pouco de sol. Ah! não aplique seu rico dinheirinho em dólar. É uma furada!

Depois não vá dizer que não avisei!

5 comentários:

  1. Lá em casa, quando tem algum servicinho, tipo trocar uma lâmpada, resistência do chuveiro, o bujão de gás... peço para que todos deixem a residência por umas duas horas, no mínimo. E por isto, me consideram um chato, um desmancha prazeres.

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  2. Prudência e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Pelo menos, que eu saiba, Paulo Laurindo!

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  3. Pois é, e depois você me chama de debochado quando implico com o Caetano, de longe o maior palpiteiro do Brasil.

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