11 de março de 2013

VOCÊ... E SEU NOME


Você se chama Nina. Ou melhor, Rosângela. Mas odeia o nome desde menina. Desde que teve de compartilhar a carteira com a outra Rosângela. Rosângela Seabra, para ser mais preciso. Um poço de antipatia. Você, a Rosângela Silva. A professora tinha mania de ordenar os alunos por ordem alfabética. Por isso os assentos compartilhados. Então, resolveu que, a partir daquela aula tal, no dia qual, não seria mais xará da nojenta, da petulante. E trocou seu nome para Nina. “Aí, galera, ninguém agora vai me chamar mais de Rosângela. Agora sou a Nina.” Você só tinha dez anos, mas já sabia o que queria da vida. E o que não queria! Uma dessas coisas era ser xará da Rosângela Seabra, a pernóstica, a podre, como você dizia. E passou o tempo todo de escola como Nina, até chegar à faculdade. No curso de Educação Artística, no primeiro dia de aula, na primeira aula, vai o professor de Português fazer a chamada. “Rosângela Silva?” Você se levanta e diz “Professor, por favor, não me chame por este nome horroroso. Eu sou a Nina daqui em diante. Aí, sou a Nina! Certo, galera?” Quatro anos depois, no dia da formatura, você é convocada a subir ao palco para receber seu canudo de brincadeirinha: “Nina Silva!” E é ovacionada pelos colegas.
 
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Você se chama José de Souza Machado. Na folhinha, corriam desacelerados os primeiros anos da década de 10 do século passado. Descobre, muito a contragosto, que há um seu homônimo, de cabo a rabo, do jota inicial ao o final, que anda enxovalhando o nome na praça, com pendências de dívidas e negócios escusos, sentando em tratos e não cumprindo palavra dada. Você é um homem de bem. Tem brios e vergonha na cara. Inclusive engatilhou casamento com a filha do Coronel Antonico Pinto e não pode – e não quer! – ter o nome sujo. Resolve, por isso mesmo, de moto próprio – coisa que lhe deu na telha –, passar a se chamar José de Paula Machado. Casa-se José de Paula Machado, abre conta no banco José de Paula Machado e sobrenomeia um dos dez filhos com o Paula, que tomou emprestado a um ascendente. Na única e derradeira vez em que fica doente – com aquela doença ruim, a inominada matadora de gente boa –, os filhos vão dar entrada nos papéis para o INSS e descobrem, meses antes de fazer a passagem, que você nunca foi José de Paula Machado, como consta de todas as certidões de nascimento de filhos e netos. Você é exatamente como seus outros seis irmãos: um Souza Machado. Mas isso é letra morta na genealogia da família. Você ficou eternizado José de Paula Machado.
 
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Vocês são duas, distanciadas pela idade e pela geografia. Você, mais nova, é Felisbela e odeia o nome. Pede ao professor para ser chamada por Bela. O professor a examina dos pés à cabeça, respeitoso porém admirado, e cogita que o apelido se aplica perfeitamente à pessoa: menina-moça morena, alta, olhos e longos cabelos negros, rosto juvenil equilibrado, sem marcas. Beleza que o uniforme da escola pública – saia levantada até o meio da coxa roliça – não consegue esconder. Você é Bela e bela, com redundância e tudo. Você, mais velha, contudo, é Florinda e também tem ojeriza ao nome. Também pede ao professor que a chame de Linda, ao responder à chamada no curso de Administração, no primeiro dia de aula. O professor afasta os óculos dos olhos em sua direção. E constata o antagonismo visível entre o apelido e o atributo, entre o nome e o adjetivo. Você está acima do peso, a pele marcada, os olhos um tanto desalinhados atrás de uma armação escura nada elegante, uma sutil verruga sobre o nariz. Enfim, cada uma carregando o peso do nome, abrandado pela alcunha, que nem sempre faz jus à pessoa.
 
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Você canta desentoado, semitonando nas notas altas. Sua carreira de cantor de barzinho faz esfriar o filezinho aperitivo mais saboroso. Principalmente quando canta música romântica. Você toca violão como se tocasse porco na estrada. A voz e o acompanhamento não casam, não se harmonizam. Mas você insiste. Canta a troco do lanche ao final. Um dia reclama com a amiga que sua carreira não deslancha. A amiga, cheia das mais estranhas superstições – aliás, todas as superstições são estranhas –, lhe indica um tarólogo-numerólogo-astrólogo-jogador de baralho cigano, com consultório na rua do matadouro. Você não crê, mas não descrê. Melhor não recusar, e procura o bruxo. Ele, o bruxo, depois de estudar seu mapa astral, jogar o baralho, mexer nos números, diz que o entrave está no seu nome. E lhe propõe colocar um ípsilon, um agá e dobrar uma letra qualquer, para dar equilíbrio e força, sem as quais a desafinação só iria piorar. Você aceita, até porque pagou caro pela ajuda. E passa a grafar Gennyvaldho. No primeiro fim de semana, perde o contrato de cantor do quiosque da pracinha. Segundo o gerente, ficou muito complicado escrever seu nome na lousa verde. Além disso, ele iria ocupar o lugar do preço do cachorro-quente.
 
Imagem em familiabarusso.blogspot.com.
 
 

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