22 de março de 2013

EU USO ÓCULOS


Imagem em olhar-43.net.
 

Estou na clínica de oftalmologia, aguardando a vez para a consulta periódica de controle da pressão ocular. Vivo ameaçado por ela, que há alguns anos ficou saliente e assombra minha pessoa com glaucoma e cegueira. Não pretendo nenhum dos dois, por isso o cuidado.

Mas observo que os vários pacientes que também aguardam a vez usam os olhos desabusadamente - leem revistas velhas, veem tevê, bisbilhotam seus aparelhos eletrônicos, fazem palavras cruzadas, escrevem textos em smartphones de última geração de uma marca coreana famosa (epa, este sou eu!) -, no intuito de aproveitar os possíveis últimos raios de luz do universo (estou um tanto trágico hoje).

A minha relação com meus próprios olhos sempre foi delicada.

Lembro-me de que, em criança, por um período, tive a sensação, ao fixar o olhar em algum ponto, de que a imagem se afastava, como num efeito de zoom. Preocupada, minha mãe me levou ao médico, que garantiu não ser nada. Aquela sensação, no entanto, permaneceu por algum tempo.

Depois, aos treze anos, quando fui para o colégio interno em Campos, para iniciar o antigo curso ginasial, comecei a sentir que as letras no quadro negro estavam um tanto embaçadas. Talvez porque uma professora de Geografia exigisse, para a chamada, que os alunos se sentassem na ordem alfabética do diário de classe. Então era: Saint-Clair (esse que lhes fala), Washington e Wellington, na última fileira à direita, no fundo da sala.

O quadro-negro (negro mesmo, à época), quadrado, se colocava à esquerda, ao lado da janela, transformando-se num verdadeiro corruptor dos olhos, pois oferecia a quem se posicionava à direita, como eu, uma visão ofuscada pela luz externa nele refletida.

Na segunda série, já em Bom Jesus do Norte, tive de me adiantar e sentar nas fileiras intermediárias, para que conseguisse ler o que se escrevia no quadro, agora verde. Quando se iniciou a terceira série, fui para a primeira fileira, ao lado da mesa do professor. E já não li mais nada! Tive, então, de chegar até minha mãe e lhe dizer, com certo constrangimento e um pouco antes de meu pai sair para Itaperuna, única cidade da redondeza em que havia oculista, que era como se chama o atual oftalmologista, o problema que estava vivendo.

Voltei de lá com uns óculos montados com lentes para miopia já com grau -3,50. O próprio médico ficou espantado da minha demora em procurá-lo e brincou comigo:

- Não consegue nem saber se as garotas estão flertando com você, não é?

Quando vim para Niterói, em 1967, fui trabalhar na Ótica Avenida. Algum tempo depois, apareceram as primeiras lentes de contato e, mais ou menos, servi de cobaia para o colega Egon, que fizera o curso de técnico em tais lentes, estrear em sua profissão. Anos depois, ele me disse, sorridente, que foram as lentes mais bem adaptadas que fizera. Logo as primeiras. Tive sorte. E passei a ser o garoto-propaganda da Ótica. Sempre que necessário, lá ia eu mostrar para o cliente a novidade. Muitos se espantavam em saber que, dentro dos meus olhos, havia um corpo estranho, feito de plástico, que substituía eficientemente a traquitana representada pelos óculos (No interior, chamávamos depreciativamente os óculos de cangalhas, aquele tipo de arreio usado em lombo de burros e mulas, sobre o qual se assentavam balaios e quiçambas para o transporte de produtos.).

Meus olhos tiveram, então, um longo caso de amor com as tais lentes duras. Até que cheguei à idade em que passei a precisar de lentes para leitura. Veio-me a famosa vista cansada, a presbiopia. Como precisasse enxergar por todos os pontos distantes dos olhos, optei por aposentar as lentes de contato e passei a usar, novamente, as velhas cangalhas, então com lentes multifocais.

Há cerca de oito anos, numa dessas consultas de rotina, para conferir o grau das lentes, o oftalmologista descobriu que, além da miopia, do astigmatismo e da presbiopia, também estava eu contemplado com pressão ocular acima do ideal.

Agora, além das cangalhas e do colírio de uso diário, tenho de me submeter, a cada trimestre, a exames para o acompanhamento da pressão saliente. Tudo para que não chegue ao glaucoma e à cegueira.

Por isso é que estou aqui, na clínica oftalmológica, onde – tenho a impressão – os que ainda veem alguma coisa abusam de ver, de olhar, de bisbilhotar o que ainda conseguem enxergar.

Pode ser que um dia tudo isto seja somente uma memória. Uma triste e dolorosa memória!

 


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