20 de setembro de 2012

LIÇÃO NÃO APRENDIDA

Enquanto tomava meu banho, pus-me a pensar – o banho talvez seja o momento mais propício a que meus pensamentos fluam (talvez por isso nunca poderei escrever um livro, em ambiente tão molhado) – numa imagem recorrente, durante alguns anos de minha vida.
Sempre que ia visitar meus pais e irmãos em Bom Jesus, à noitinha, quando todos íamos nos deitar, meu ex-cunhado (dizem também que não há ex-cunhado: isto é uma instituição eterna) puxava uma espécie de cadeira de praia, colocava-a na varanda de sua casa, localizada nos fundos do terreno da casa de meus pais, abria uma garrafa de cerveja e acendia seu cigarro. A brasa do cigarro era a coisa mais iluminada no escuro da noite fechada.
E lá ficava ele planejando o dia seguinte: suas atividades, suas providências, as soluções aos possíveis problemas. Queimando seu cigarro, sorvendo seus goles!
E isto me dava um sentimento de culpa danado. Nunca planejei o dia seguinte. A não ser, durante o período em que fui professor, por vinte e três anos, com os planos de aula, que me tomavam boa parte das horas de descanso. O que já julgava um exercício penoso. Como, então, ficar planejando minha vida do dia seguinte? Embora, durante muitos anos, tivesse três atividades simultâneas, que me consumiam o dia das oito da manhã até quase as onze da noite. Eu não tinha nada a planejar: já estava tudo determinado. Era apenas seguir o roteiro.
O mais engraçado de tudo isso é que este meu ex-cunhado, por esse tempo, não tinha emprego fixo, não batia cartão de ponto, não tinha patrão. Vivia de coisas temporárias e fortuitas. E eu me encasquetava com seu ritual: planejar o quê?
Passaram-se os anos, e não tenho mais contato com ele. Certo dia, comentei esse meu estranhamento com outros sobrinhos, filhos de outro ex-cunhado, que me disseram que também seu pai tem tal hábito: à noite, para num canto da casa, a fim de pensar no dia de amanhã.
Veja, então, caro leitor, que tive dois professores e não aprendi a lição. Até hoje tenho a maior dificuldade de pensar no dia seguinte, na semana seguinte, no mês seguinte. No ano próximo, então, parece-me futurologia, ficção científica. Eu não serviria como planejador. O que, aliás, não sou mesmo.
E vou vivendo assim, sem ter aprendido esta bela lição: planejar o dia seguinte. Ainda que seja para não se fazer absolutamente nada. Como, desconfiava sempre, ocorria com meu ex-cunhado, que fazia isto apenas para tomar sua cerveja em paz. Porque, naqueles momentos, ele jamais me ofereceu um mísero copinho da loura gelada. E, às vezes, eu ir dormir com a goela seca, ansiando por um bom gole.
É cada ex-cunhado! Por isso é que dizem as más línguas: se cunhado fosse bom, a sílaba inicial não seria a que é.
Imagem em saindodamatrix.com.

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