O inverno chega e nos
metemos todos a ficar um pouco mais reflexivos, já que lá fora corre um
friozinho ventoso a incomodar. Dizem mesmo, até, que os alemães desenvolveram
tanto a Filosofia por causa do seu rigoroso inverno, o que os fazia ficar recolhidos
no chamado recesso do lar, onde se punham a pensar, movidos a goles de cerveja
nacional, vez que sexo não se faz vinte e quatro horas por dia, nem mesmo no
primeiro mundo. Já num país tropical e em vias de desenvolvimento como o nosso,
o exterior está a nos convidar a sair, a ir para a beira do mar, para os bares,
para as praças, para os campinhos de pelada, para os açudes dos rios, e temos
muito pouco tempo para graves preocupações filosóficas. Então desenvolvemos o
futebol, o carnaval e toda a sorte de folguedos que balançam o corpo e enfeitam
o país de norte a sul.
Talvez seja também por
isso que não prestamos muita atenção às mudanças das estações, a não ser quando
o morro desce, o barranco desbarranca e a casa se precipita na lama. Aí, sim,
nos lembramos de que é época de chuvas torrenciais calamitosas. Ou, ao
contrário, como recentemente, com a estiagem de secar reservatórios no estado
mais rico da federação.
E de inverno o que temos,
na verdade? Muito pouco, ou quase nada. Sobretudo do Rio de Janeiro para cima.
Embora, em alguns dias, a temperatura caia a menos de vinte graus, o normal é
que usemos apenas um agasalho leve para nos proteger. Dificilmente por aqui
vestimos sobretudos e casacos. Cachecol, essa peça tão estimada dos franceses,
então, é raríssimo, e cheira até a frescura seu uso.
Apesar de tudo, tenho na
memória algumas passagens ligadas aos fenômenos típicos do tempo e das estações
do ano, principalmente dos invernos e dos verões. Como, por exemplo, os verões
de Carabuçu que ora traziam uma seca de fazer procissão, ora faziam descer água
em abundância por longos dias. Era comum, então, que fôssemos para a rua, se de
dia, a fim de tomar banho nas bicas que se formavam nos telhados das casas. Ou
que brincássemos de represas, construídas precariamente na sarjeta das ruas,
onde soltávamos barcos de papel, que seguiam enxurrada afora, até desaparecerem
na primeira valeta. Nas tempestades de fim de tarde, principiozinho de noite,
papai gostava de ficar à janela assistindo à precipitação de raios e coriscos iluminando
as nuvens carregadas de água. Nessas oportunidades, sempre colocava algum filho
para acompanhá-lo neste admirar da força da natureza. E jamais tivemos medo do estrondo
dos trovões, nem do riscar dos raios nos céus da vila.
Já morando em Niterói, vez
por outra, de férias do trabalho e da faculdade, olhava desafiadoramente para
as pessoas que passavam esbaforidas, sob um calor escaldante, em frente ao
Cinema Central, antes de entrar para ver a sessão das duas da tarde, só pelo ar
refrigerado geladinho que baforava porta afora, sem me importar com a qualidade
da película exibida.
Já o inverno do interior
trazia o céu estrelado nas noites límpidas, as festas juninas e suas fogueiras
imensas e a memória de ouvir papai dizendo que, naquela manhã, o termômetro
marcara oito graus. Posteriormente, já burro velho de carga, senti o rigor do
inverno de Tiradentes ao tomar o banho da tarde, no chuveirinho mequetrefe da
pousada. Os músculos das minhas pernas tremiam descontroladamente, sem
obediência aos comandos cerebrais para que ficassem tranquilos em seus lugares.
Foi a pior sensação de frio por que já passei, embora tenha experimentado até
mesmo temperaturas mais baixas. Nem mesmo, anos depois, no Santuário do Caraça,
com frio mais intenso, sofri assim ao esperar longos minutos, até que a água
quente chegasse ao meu banheiro.
As primaveras e os outonos
sempre foram, aqui na região, estações que não se levam a sério. Só agora,
depois de aposentado, é que procuro notar nelas as características próprias.
Sei, por exemplo, que o outono é propício a desenvolver alergias respiratórias,
pela presença de pólen no ar. Aqui em casa tenho quem dê tais sinais. A
primavera está mais para verão do que para a famosa estação das flores, como
aprendemos na escola primária.
Apenas agora, com meu
interesse maior por fotografia, é que tenho aproveitado a luz em diagonal que
essas estações oferecem. A esse respeito, na verdade, apenas o verão, com sua
intensa luz chapada, padroniza muito as cores, mata um pouco as sutilidades de
nuances que a câmara capta. Mesmo o inverno tem, entre nós, luz interessante
para fotos.
Entretanto não posso
deixar de comemorar as primeiras baixas de temperatura, tão logo o calorão se
despede do calendário: começa a temporada de se tomar vinho com prazer junto
aos amigos, jogando conversa fora e tendo a esperança de que dias melhores
virão. Ou verão? Sei lá!
E tudo há de começar de
novo com aquele bando de pessoas seminuas, torrando-se ao sol, à beira-mar,
dando pinta de que, não importem as estações, o país é uma festa só.
Paisagem de primavera em Comendador Venâncio, Itaperuna-RJ (foto do autor). |
Muita sabedoria neste seu texto. Como nunca me lembrei de que o aconchego do lar, quando o frio não deixa sair, faz pensar mais?! No Inverno (no meu...), escrevo muito mais!
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