23 de junho de 2015

O TEMPO E EU


O inverno chega e nos metemos todos a ficar um pouco mais reflexivos, já que lá fora corre um friozinho ventoso a incomodar. Dizem mesmo, até, que os alemães desenvolveram tanto a Filosofia por causa do seu rigoroso inverno, o que os fazia ficar recolhidos no chamado recesso do lar, onde se punham a pensar, movidos a goles de cerveja nacional, vez que sexo não se faz vinte e quatro horas por dia, nem mesmo no primeiro mundo. Já num país tropical e em vias de desenvolvimento como o nosso, o exterior está a nos convidar a sair, a ir para a beira do mar, para os bares, para as praças, para os campinhos de pelada, para os açudes dos rios, e temos muito pouco tempo para graves preocupações filosóficas. Então desenvolvemos o futebol, o carnaval e toda a sorte de folguedos que balançam o corpo e enfeitam o país de norte a sul.
Talvez seja também por isso que não prestamos muita atenção às mudanças das estações, a não ser quando o morro desce, o barranco desbarranca e a casa se precipita na lama. Aí, sim, nos lembramos de que é época de chuvas torrenciais calamitosas. Ou, ao contrário, como recentemente, com a estiagem de secar reservatórios no estado mais rico da federação.
E de inverno o que temos, na verdade? Muito pouco, ou quase nada. Sobretudo do Rio de Janeiro para cima. Embora, em alguns dias, a temperatura caia a menos de vinte graus, o normal é que usemos apenas um agasalho leve para nos proteger. Dificilmente por aqui vestimos sobretudos e casacos. Cachecol, essa peça tão estimada dos franceses, então, é raríssimo, e cheira até a frescura seu uso.
Apesar de tudo, tenho na memória algumas passagens ligadas aos fenômenos típicos do tempo e das estações do ano, principalmente dos invernos e dos verões. Como, por exemplo, os verões de Carabuçu que ora traziam uma seca de fazer procissão, ora faziam descer água em abundância por longos dias. Era comum, então, que fôssemos para a rua, se de dia, a fim de tomar banho nas bicas que se formavam nos telhados das casas. Ou que brincássemos de represas, construídas precariamente na sarjeta das ruas, onde soltávamos barcos de papel, que seguiam enxurrada afora, até desaparecerem na primeira valeta. Nas tempestades de fim de tarde, principiozinho de noite, papai gostava de ficar à janela assistindo à precipitação de raios e coriscos iluminando as nuvens carregadas de água. Nessas oportunidades, sempre colocava algum filho para acompanhá-lo neste admirar da força da natureza. E jamais tivemos medo do estrondo dos trovões, nem do riscar dos raios nos céus da vila.
Já morando em Niterói, vez por outra, de férias do trabalho e da faculdade, olhava desafiadoramente para as pessoas que passavam esbaforidas, sob um calor escaldante, em frente ao Cinema Central, antes de entrar para ver a sessão das duas da tarde, só pelo ar refrigerado geladinho que baforava porta afora, sem me importar com a qualidade da película exibida.
Já o inverno do interior trazia o céu estrelado nas noites límpidas, as festas juninas e suas fogueiras imensas e a memória de ouvir papai dizendo que, naquela manhã, o termômetro marcara oito graus. Posteriormente, já burro velho de carga, senti o rigor do inverno de Tiradentes ao tomar o banho da tarde, no chuveirinho mequetrefe da pousada. Os músculos das minhas pernas tremiam descontroladamente, sem obediência aos comandos cerebrais para que ficassem tranquilos em seus lugares. Foi a pior sensação de frio por que já passei, embora tenha experimentado até mesmo temperaturas mais baixas. Nem mesmo, anos depois, no Santuário do Caraça, com frio mais intenso, sofri assim ao esperar longos minutos, até que a água quente chegasse ao meu banheiro.
As primaveras e os outonos sempre foram, aqui na região, estações que não se levam a sério. Só agora, depois de aposentado, é que procuro notar nelas as características próprias. Sei, por exemplo, que o outono é propício a desenvolver alergias respiratórias, pela presença de pólen no ar. Aqui em casa tenho quem dê tais sinais. A primavera está mais para verão do que para a famosa estação das flores, como aprendemos na escola primária.
Apenas agora, com meu interesse maior por fotografia, é que tenho aproveitado a luz em diagonal que essas estações oferecem. A esse respeito, na verdade, apenas o verão, com sua intensa luz chapada, padroniza muito as cores, mata um pouco as sutilidades de nuances que a câmara capta. Mesmo o inverno tem, entre nós, luz interessante para fotos.
Entretanto não posso deixar de comemorar as primeiras baixas de temperatura, tão logo o calorão se despede do calendário: começa a temporada de se tomar vinho com prazer junto aos amigos, jogando conversa fora e tendo a esperança de que dias melhores virão. Ou verão? Sei lá!

E tudo há de começar de novo com aquele bando de pessoas seminuas, torrando-se ao sol, à beira-mar, dando pinta de que, não importem as estações, o país é uma festa só.

Paisagem de primavera em Comendador Venâncio, Itaperuna-RJ (foto do autor).

Um comentário:

  1. Muita sabedoria neste seu texto. Como nunca me lembrei de que o aconchego do lar, quando o frio não deixa sair, faz pensar mais?! No Inverno (no meu...), escrevo muito mais!

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