11 de junho de 2013

TOMANDO UM TÁXI EM PARIS


Pedro e eu tínhamos ido à França para a Copa do Mundo de 1998, para a segunda fase, a partir das quartas de final.
Fomos numa excursão da extinta Grantur Turismo, que nos hospedou num hotel recém-inaugurado da rede Accor - o Etap - em Saint Ouen, na Rue du Docteur Babinski, juntinho da antiga muralha que circundava Paris.

Sempre que íamos circular pela cidade, tomávamos um ônibus em seu ponto inicial na Avenida de Saint Ouen, a uma pequena caminhada. A estação do metrô era um pouco mais distante.
O primeiro jogo que vimos foi aquele Brasil 4x1 Chile, no estádio Parc des Princes.

A Seleção deu um chocolate nos chilenos. Parte da torcida adversária também se hospedava no Etap e passou parte daquele dia, antes do jogo, cantando uma espécie de mantra:
- Brasil es un caramelo! Ô-oooô! Brasil es un caramelo! Ô-oooô!

Sem entender muito bem o sentido obscuro que pudesse estar por trás daquela frasezinha cantada à exaustão, de forma provocativa, depois do jogo indaguei a um chileno sobre o que, diabos, queriam eles dizer. Sem graça, pela coça que levaram, o chileno me explicou, então, o óbvio: caramelo era caramelo mesmo, doce, saboroso e fácil de ser comido.
Ri da ingenuidade de nossos hermanos e de seu jeito inocente e pré-histórico de torcer. Enquanto eles nos chamavam de caramelo, nós os mandávamos tomar naquele lugar e xingávamos a mãe deles, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ali vi que os chilenos ainda estavam na fase romântica como torcedores de futebol. Nós estávamos na pós-moderna.

Porém, o que interessa aqui, pelo título da crônica, é outra coisa.
Depois da partida, voltamos ao hotel, tomamos um banho rápido e partimos em direção à Avenida dos Campos Elíseos, a famosa Champs Elysées, que os franceses, com orgulho, dizem ser a mais bela avenida do mundo. Lá era o local de comemoração da torcida brasileira, como soubemos.

Devemos ter chegado à Avenida por volta das vinte horas e nos juntamos a vários torcedores patrícios, que agitavam bandeiras, vestiam camisas e portavam outros símbolos verde-amarelos. Cantávamos, gritávamos, comemorando a vitória. Tudo de forma bastante civilizada, como convinha ao local.
Após certo tempo, resolvemos jantar num dos restaurantes da Avenida, o Léon de Bruxelles, de uma cadeia que serve o prato nacional belga, que chamou nossa atenção: moules et frites, que traduzido em língua de gente significa mexilhões com batatas fritas. Aquela combinação estranha nos desafiou, e, desconfiados, pedimos uma das diversas fórmulas combinatórias para o serviço: uma panela média cheia de mexilhões ao vapor, com batatas fritas em refil, tipo coma o quanto quiser. Combinamos o prato com uma cerveja de que não me lembro mais. E foi excelente!

Ao final do jantar, já mais de uma hora da manhã, saímos do restaurante para retornar ao hotel. Metrô não havia mais. O serviço noturno de ônibus, com oferta muito mais restrita, também não chegava até onde estávamos hospedados. Restou-nos, então, o táxi.
Fiz sinal para dois. Os motoristas, assim que reconheciam meu sotaque estrangeiro, davam partida no carro. Não estavam ali, àquela hora da madrugada, para transportar turistas. Estes que se virassem.

O hotel ficava longe da Avenida, e não estava em cogitação andar até lá, embora todo o percurso fosse plano e não difícil. De dia, até andávamos mais do que a distância entre o hotel e a Champs Eliysées. À noite, porém...
Até que, logo após um dos táxis se recusar a nos levar, parou um automóvel americano antigo, bem conservado, com um rapaz ao volante. Ele se dirigiu a mim e perguntou se estávamos querendo um táxi. Eu disse que sim, e ele se prontificou a nos levar até o hotel. Achei aquilo estranho. Perguntei por quanto nos levaria até lá e ele deu o preço, alto, que foi negociado: oitenta francos (ainda não havia o euro). Falei com Pedro sobre o que estava acontecendo e combinei que eu iria no banco da frente, ao lado do motorista, e ele atrás, para, em caso de qualquer atitude suspeita, o meu filho providenciasse uma gravata de tecido muscular no cou (pescoço) do francês.

Fomos conversando até a Porta de Saint Ouen, juntinho ao hotel. Durante o trajeto, ele me disse ser universitário, vindo do interior para a capital, e que fazia esse tipo de “serviço” para conseguir um troco, pois sabia que os taxistas da madrugada, em Paris, têm uma má vontade histórica em transportar passageiros não franceses. E o dinheiro apurado ajudava na sua manutenção na cidade, uma das mais caras do mundo à época.
Acabei descobrindo que ele fazia Letras, como eu fizera entre 68/71 no Brasil, e percorremos todo o trajeto falando de língua, literatura e futebol, naturalmente, já que a Copa do Mundo estava fervendo na terra de Victor Hugo e do Corcunda de Notre Dame.

Melhor do que ter tomado um táxi com motorista mal-humorado e que, possivelmente, não trocaria um dedo de prosa com turistas chatos, vindo de países subdesenvolvidos. Arre! Malheur!
Edouard Cortès (1882-1969), O Arco do Triunfo e a Champs Elysées, crespúsculo (em worldpaintings.tumbir.com).

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