29 de junho de 2013

ANGU À BAIANA


Receita de angu à baiana para incrementar sua festa junina.

Pegue, com jeitinho, um baiano. Para fazer um angu de caroço, não precisa ser um da estirpe de João Ubaldo ou de Tom Zé. Pode ser tipo Toninho Malvadeza, mas deve estar vivo. Morto, só vai entrar no sarapatel.

Se o dito baiano for apressado, coisa, aliás, difícil de encontrar, pode descartar, que esse não serve: deixa o caldo ralo. O bom, aquele que vai engrossar o angu, deve ser vagaroso, deitador de rede, bebedor de água de coco em beira de mar manso, tocador de caxixi nos Filhos de Gandhy.

Aí você convida o dito baiano a ir a sua casa, levando um quilo de fubá de moinho d’água. Fubá industrializado periga dar muitos gases intestinais, o que torna a convivência entre os apreciadores deste típico prato da culinária nacional tão perigoso quanto fazer uma excursão pelo Afeganistão.

Ponha, numa panela de barro comprada na BR-101, nas proximidades de Guarapari, a quantidade de água que você julgar bastar para a quantidade de comensais. Mas não ponha sal nela. Nem na panela! Angu autêntico não leva sal, óleo, alho ou cebola. É água e fubá, apenas e tão-somente.

Assim que a água começar a levantar bolhas, peça ao baiano para ir jogando vagarosamente, como de praxe, o fubá na água, mexendo com uma colher de pau, em sentido horário, ininterruptamente, até que ele, o baiano, sinta o caldo começar a ficar consistente. Neste momento, suspenda o polvilhamento do fubá sobre a água, sob pena de encaroçar o caldo.

Se o baiano se cansar de mexer o angu, alguém deve assumir o controle do cozimento, até começarem a levantar as primeiras bolhas. Nesse instante, é melhor afastar-se da panela, porque você pode sair queimado. Baixe o fogo, tire a colher de pau e não a meta mais, nem se chamado a opinar sobre o que sabe.

Convide o baiano para a sala e deixe lá o angu cozinhando. Tome uma dose de cachaça com ele e pergunte sobre Dodô e Osmar, sobre o acarajé da Cida, a lambreta do Mercado Modelo e as ladeiras do Pelourinho. A conversa há de se estender por algum tempo, sobretudo se, entre uma e outra dose de pinga, você hidratar com goles de cerveja gelada.

Quando vocês já estiverem pra lá de Bagdá, como pontifica outro baiano famoso, cujo nome omito aqui para não pagar direitos autorais ou royalties, o angu estará no ponto. Se não estiver esturricado no fundo da panela de barro adquirida nas proximidades de Guarapari.

Nesse momento, você colocará sobre o caldo fumegante, já com o nome de angu, o cozido de miúdos de porco, carregado na pimenta de bode, cujo nome é sarapatel e deve ter sido feito de véspera por uma vizinha especializada no assunto, porque, se há um prato complicado de ser realizado, esse prato é o sarapatel. Só de matar o porco, limpar os bofes, cozinhar os pertences, de modo a que aquilo tudo se torne comível, pelo amor de Deus!

Verta o cozido sobre o angu e sirva. É preciso comer baianamente, isto é, bem devagar, se não quiser ter o couro do céu da boca arrancado a poder da quentura do troço.

Neste momento o baiano – caso seja baiano autêntico – vai dizer:

- Na Bahia, não há angu à baiana. Isso é invenção de carioca!

E se levantará tonto e irá embora de sua casa, quase ofendido. Apenas quase, porque, para ofender de verdade um baiano, só mesmo desligando o som do trio elétrico.
O angu já serviço (em recheiomania.blogspot.com).


2 comentários:

  1. Saint-Clair, gostava de experimentar a receita, mas como por aqui não se arranja nenhum baiano, em Portugal posso utilizar um Alentejano e para o sarapatel utilizo um espanhol morto!
    Valeu! Vou experimentar com estas pequenas alterações!...

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