23 de junho de 2013

MANIFESTOS


Havia em Bom Jesus o Zé Manifesto, que, na verdade, se chamava José Mangifesti e era pai do meu colega de escola Zé Nilo, um pouco mais velho do que eu. Assim o Zé Nilo também deveria ser Manifesto, embora não o chamássemos assim.

Eu mesmo nunca vi nem o pai, o seu Manifesto, dono de uma venda no Bairro Novo, e o Zé Nilo fazendo manifesto de espécie alguma.

Aliás, Zé Nilo, embora fosse um rapaz encorpado, avermelhado e grandão, era uma pessoa quase inocente. Naquela época ainda era possível encontrar moços quase inocentes no interior. Apesar de quererem se passar por muito espertos.

Certa vez – era o período de férias de verão da escola – eu o encontrei em frente à loja do Pedro Braga. Íamos de bicicleta em sentido contrário pela Rua Abreu Lima, e ele me parou para uma pergunta corriqueira, comum para um colega de escola caxias como eu.

- Saint-Clair, o que quer dizer kiss me, kiss me, my love?

Colega de turma, ele tinha certeza de que eu saberia.

- Significa “beija-me, beija-me, meu amor”. Por que, Zé Nilo?

Ele, então, soltou um puta que o pariu contrariado e lamentou não ser um aluno aplicado.

- Ontem, numa festa, uma garota falou isso pra mim e eu fiquei com cara de paspalho, sem saber o que fazer. Vou ter de prestar mais atenção às aulas de inglês.

Outro manifesto que conheci, por esse tempo, era um tipo de guia para transporte de mercadorias que cruzassem a fronteira entre o Estado do Rio e o Espírito Santo.

Bom Jesus do Itabapoana e Bom Jesus do Norte, uma em cada estado, tinham um posto fiscal do lado capixaba a controlar o fluxo de produtos. Então, junto com a nota fiscal, acompanhava o transporte uma grande nota que se chamava manifesto.

Eu mesmo, que trabalhava numa loja de material de construção, vez ou outra, tinha de preencher um manifesto para fazer passar pela fronteira algum tipo de carga.

Tanto o seu Zé Manifesto, quanto o manifesto fiscal nunca se manifestaram além do previsto. Nunca foram para as ruas protestar contra nada. Gritar palavras de ordem. Portar bandeiras. Muito menos depredar a coisa pública ou privada.

Eram manifestos tácitos.

Agora os manifestos são também virulentos, truculentos. Em sua parte pacífica e ordeira, pedem tudo, protestam contra muitas mazelas da vida nacional e, até mesmo, contra o preço da ração de cachorro.

O mundo mudou tanto, que tenho medo de não acompanhar. A não ser que esses manifestos atuais se comportem como aquele bloco carnavalesco carioca: Concentra Mas Não Sai.
Imagem em wordsinspace.net.

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