2 de setembro de 2015

SOU CHEIO DE OPINIÕES


Não sou pessoa de uma única palavra. Tenho várias. Menos que o dicionário, é óbvio, mas cheio delas. Desde pequeno, desde criança. E também não tenho a última palavra. Seria ela zwingliano? Vejam que não sei ao certo. Quando aluno do Colégio Bittencourt, em Campos dos Goytacazes (Morrerei sem concordar com esta grafia!), na falta do que estudar - todas as lições já feitas -, resolvi contar as palavras do Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, que se vangloriava de elencar mais de 90.000 vocábulos. Não contei nem a décima parte, mas vi lá, na década de 60, que a última dicionarizada era essa aí: zwingliano, "adepto ou seguidor do zwinglianismo". Hoje já não sei mais. Já não tenho a curiosidade da juventude e deixo com o Aurélio a derradeira palavra.

Assim fico com as palavras do meio, vez que a primeira pertenceu ao Criador, que fez tudo a partir dela: Fiat lux! E a luz e o fósforo de segurança foram feitos. Acho que até a minhoca e a lombriga foram feitas assim. O ornitorrinco, no entanto, tenho quase certeza, foi feito por Adão, com as sobras de alguns bichos que o Criador desistiu de criar e deixou jogadas num canto do almoxarifado celeste. Por isso deu no animal esquisito que é. Até na oficina mecânica do Mané Gibaita, lá em Carabuçu, se fazia coisa mais bem acabada do que o ornitorrinco.

E no meio dessas palavras e ajuntamento de palavras há coisas engraçadas, que merecem uma análise perfunctória e irresponsável, como sói ser de meu vezo e para o que sempre tenho a palavra incerta.

Por exemplo: autoajuda. Se isso não se refere a oficina mecânica, certamente tratará de carro guincho. Ou da ajuda daquelas pessoas que empurram seu carro, quando ele dá uma pane elétrica. Eu mesmo nunca vi alguém autoajudar outra pessoa: o leitor, no caso. Jamais vi alguém, cheio de problemas, chegar para um amigo e dizer: Preciso de uma autoajuda. Por isso, todos esses livros de autoajuda, na verdade, ajudam o seu autor. Aí, sim, a definição se ajusta.

Como jamais tive a pretensão de ficar dando conselhos aos outros, tenho a maior implicância com a palavra e a finalidade para a qual é usada.

Aliás, isto tem sido uma das preocupações da minha vida. Tanto que até cunhei um pensamento bem-pensado: Muito se autoajuda quem não se atrapalha.

Não sei se isso ajudará alguém, mas fica aí para a reflexão dos meus parcos leitores.

Outra expressão que sempre futucou meu cérebro nervoso, como diz aquele samba-canção da época em que se usava cueca samba-canção, é "a merencória luz da lua". Em tempo algum, em nenhum dos textos que li, desde os gongóricos aos românticos, vi merencória ser usada. Ary Barroso, autor dos versos e da música em que a expressão se encontra, era verdadeiramente um homem muito esquisito. E olhem que não lhe tenho má vontade. Quando, há tempos, lhe faziam crítica por outro verso - "esse coqueiro que dá coco" -, em que o acusavam de tautologia, de obviedade, sempre estive com ele:  ora, todo coqueiro dá coco; Ary está coberto de razões e cocos e não poderia dizer esse coqueiro que dá goiaba, por exemplo. Mas essa "merencória luz da lua" é velha de dar com o pau. Chega a doer no ouvido. Talvez melhor ficar com a modernidade e o gosto estranho da música dos Titãs em que se arrolam vários nomes de doenças: O pulso. 

Mas vejam como é o povo: na Copa do Mundo da França, em 1998, no Parque dos Príncipes, em Paris, a torcida brasileira cantou a plenos pulmões, durante o jogo contra o Chile, a Aquarela do Brasil, com merencória, coqueiro que dá coco e tudo mais. E eu e meu filho Pedro estávamos naquele coral ensandecido.

Tenho muito mais opiniões a dar, mas, por hoje, fico por aqui. Não que seja esta a última palavra, mas a penúltima ou antepenúltima.

Cartum de Kemp, sobre Zé do Apocalipse, de Glauco (em lactobacilom.blogspot.com).


Publicado originalmente em Gritos&Bochichos.

3 comentários:

  1. Merencória... também não sei o que quer dizer, mas gostei muito de saber como apareceu o ornitorrinco!!!

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    1. E o nome, Daisy, só foi dado depois que se inventou o dicionário. Antes disso, ninguém seria capaz de criar um nome também tão esquisito. Hahaha!

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