25 de agosto de 2015

BORA ASSALTAR MAMÃE!


Não sei se deveria contar esta história, mas ela, de vez em quando, fica cutucando minha indiscrição. É uma história verídica, porém não sei se verdadeira. Penso que sim, pois quem a contou para mim não teria a intenção de inventar coisas não ocorridas. Então vamos lá.
Conheci Zé Sérgio, o primeiro anistiado a partir de l964, lá pelo fim dos anos setenta. Isto porque ele se tornou namorado de uma minha amiga, que o conheceu num ônibus urbano do Rio de Janeiro. Ia ele com cara de cachorro caído da mudança, no último banco do coletivo, e tal expressão sensibilizou minha amiga. Daí para o namoro, foi um pulo.
Por aquela época ainda éramos todos jovens, embora eu já estivesse casado. E, enquanto durou o curto namoro, Zé Sérgio frequentava o apartamento onde Jane e eu morávamos, na Rua Pereira da Silva, esquina com a Moreira César, em Niterói.
Zé Sérgio havia lutado contra a ditadura militar, com o MR8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro –, até que acabou preso pelas forças de segurança. Ficou trancafiado no xadrez um bom tempo, mas foi o primeiro beneficiado pela Lei 6683, de 26 de agosto de 1979, que ficou conhecida como Lei da Anistia. Sua saída da prisão teve pequena matéria, com foto inclusive, na revista Veja, de que me lembro ainda hoje.
Num desses encontros para um almoço lá em casa, Zé Sérgio contou algumas interessantes passagens do seu tempo de militante do movimento contra o regime E era difícil imaginar que um homem pacífico e cordial como ele, pudesse ter pegado em armas, ter-se envolvido em ações violentas, na tentativa de derrubar a ditadura.
Segundo ele, nenhum dos membros de uma célula de ação era conhecido por seu próprio nome. Ao contrário, todos tinham codinomes, no intuito de preservar suas verdadeiras identidades. E também não participavam efetivamente de todas as decisões visando às ações que seriam empreendidas contra os militares. Este caso ocorreu justamente numa delas.
Chegou à sua célula a determinação de que os militantes tais e quais deveriam unir-se em certo ponto da cidade do Rio de Janeiro, de onde partiriam para a ação ainda desconhecida. No horário marcado, lá estava ele. Ao se encontrarem, os ativistas anunciavam a senha e diziam seu codinome uns aos outros. O líder do grupo revelou, então, o que seria realizado naquela noite: o assalto a um restaurante, com a finalidade de angariar dinheiro para financiar a luta armada.
Entraram todos na viatura e rumaram para o endereço em Vila Isabel: era o do restaurante O Bigode do Meu Tio, de propriedade de Jofre, um dos filhos do escritor Nelson Rodrigues.
Quando a viatura parou nas imediações, um dos jovens do grupo pediu para não participar, oferecendo-se para dirigir o carro. O chefe da operação relutou, mas acabou aceitando a troca de funções entre ele e o motorista. O restante do grupo adentrou o restaurante, enquadrou todos os presentes, sobretudo a mulher do caixa, passou a mão no dinheiro, num tempo mínimo, quase nada, e saiu.
Terminado o assalto, o carro partiu cantando pneus na noite da Vila de Noel e Martinho, antes que a polícia fungasse nos calcanhares do grupo.
Depois de desbaratado o grupo pelas forças de segurança e alojados seus membros em prisões militares, Zé Sérgio foi saber que o companheiro que pediu a troca de função na missão era Nelson Rodrigues Filho, irmão do Jofre, que lhe disse durante uma das muitas conversas que tiveram na cela:
- Fiquei sem jeito de chegar lá e meter o cano da arma no peito da minha mãe, que ficava no caixa, para exigir que me passasse o dinheiro. Por isso, preferi dirigir.
Nunca vi esta história publicada. Pode ser que o Nelsinho, como é conhecido o filho do grande escritor, já a tenha relatado em alguma oportunidade. Fica aqui, no entanto, esta versão, que me foi contada por quem a viveu. Espero não estar cometendo nenhuma indiscrição séria, mas é um registro até engraçado de um tempo duríssimo por que passou o país.

Imagem em noticias.r7.com.

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