14 de setembro de 2015

QUANDO VOCÊ OUVE SENHOR PELA PRIMEIRA VEZ


Eu ainda era um homem razoavelmente jovem, porém nem tanto, quando ouvi de uma atendente de antigo videoclube perto de casa a palavra senhor dirigida a mim. Tomei um baita susto, na oportunidade. Como morássemos no mesmo condomínio, certo dia lhe disse daquela minha estranheza em ser chamado assim tão solenemente. Ela sorriu amarelo, em seus dentes brancos, em sua bela carinha ainda adolescente.
Essa primeira vez é a primeira vez de todos os acontecimentos na vida: você jamais esquece.
E eu já era professor de cursos de graduação há alguns anos – havia começado aos vinte e seis na atividade –, e recomendava, logo na primeira aula, que os alunos não me chamassem de professor, nem de senhor: eu era simplesmente o Saint-Clair.
Mas o tempo é inexorável. Se você não morre, ele continua passando sem apelo, sem barreiras ou barricadas, rompendo tudo, atropelando quem estiver pela frente. E vai levando de roldão nossa juventude, junto com nossos cabelos e as habilidades físicas de um modo geral e específico, que nem é bom lembrar.
Há poucos anos, adquiri legalmente o direito à fila preferencial, ao transporte gratuito, à vaga reservada, que tento não usar, enquanto tiver alguma força física e financeira para parecer um pouco menos dependente das benesses do sistema.
Entretanto, neste fim de semana, tive a certeza de que não é assim que os outros já me veem. Eu, acostumado todos os dias a me olhar ao espelho, não percebo – como todos os meus semelhantes – os estragos que o tempo deve estar a fazer nesta minha pessoa despretensiosa.
Vejam só em que me baseio, para tal constatação.
Na quinta-feira, fui a um supermercado de esteira rolante. Ao sair com o carrinho de compras, uma mocinha, no pleno gozo da sua adolescência mas já no trabalho, no princípio da descida, se pôs a me ajudar a conduzir o veículo até embaixo. Antes uma mulher mais nova passou por ela, sem ter esse tipo de deferência.
Voltei no dia seguinte e, ao procurar vaga onde parar o carro, um homem jovem se apressou a tirar o carrinho de compras que atrapalhava o completo estacionamento do veículo. Eu lhe agradeci a gentileza, e ele sorriu com bonomia para mim.
O pior, contudo, a prova cabal e irrefutável de que virei realmente um senhor maduro – já chegando, quiçá, à velhice irremediável – me foi dada por um homem um pouco mais novo do que eu, dono do bar onde encomendara torresmos para abrilhantar a feijoada de domingo. Conforme combinado, liguei para saber se a encomenda estava pronta. Ele disse que iria verificar, deixou o telefone apoiado em algum lugar – o barulho indicava isto – e gritou para a cozinha no fundo do estabelecimento:
- Zé, o torresmo do coroa ficou pronto?
Confesso que só fui buscar o torresmo, que, aliás, é deliciosamente crocante, porque já havia pagado por antecipação. Caso contrário, deixaria que o boquirroto ficasse com o coroa preso na garganta, a vender suas cachacinhas miúdas e suas cervejas cheias de milho e arroz, para a clientela condescendente que frequenta aquele pé-sujo. E prometo não voltar lá. A não ser que a vontade de comer torresmo seja irrefreável!

Imagem em catracalivre.com.br.

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