Eu ainda era um homem
razoavelmente jovem, porém nem tanto, quando ouvi de uma atendente de antigo
videoclube perto de casa a palavra senhor
dirigida a mim. Tomei um baita susto, na oportunidade. Como morássemos no mesmo
condomínio, certo dia lhe disse daquela minha estranheza em ser chamado assim
tão solenemente. Ela sorriu amarelo, em seus dentes brancos, em sua bela carinha
ainda adolescente.
Essa primeira vez é a
primeira vez de todos os acontecimentos na vida: você jamais esquece.
E eu já era professor de
cursos de graduação há alguns anos – havia começado aos vinte e seis na
atividade –, e recomendava, logo na primeira aula, que os alunos não me
chamassem de professor, nem de senhor: eu era simplesmente o Saint-Clair.
Mas o tempo é inexorável. Se
você não morre, ele continua passando sem apelo, sem barreiras ou barricadas,
rompendo tudo, atropelando quem estiver pela frente. E vai levando de roldão
nossa juventude, junto com nossos cabelos e as habilidades físicas de um modo
geral e específico, que nem é bom lembrar.
Há poucos anos, adquiri
legalmente o direito à fila preferencial, ao transporte gratuito, à vaga
reservada, que tento não usar, enquanto tiver alguma força física e financeira
para parecer um pouco menos dependente das benesses do sistema.
Entretanto, neste fim de
semana, tive a certeza de que não é assim que os outros já me veem. Eu,
acostumado todos os dias a me olhar ao espelho, não percebo – como todos os
meus semelhantes – os estragos que o tempo deve estar a fazer nesta minha
pessoa despretensiosa.
Vejam só em que me baseio,
para tal constatação.
Na quinta-feira, fui a um
supermercado de esteira rolante. Ao sair com o carrinho de compras, uma mocinha,
no pleno gozo da sua adolescência mas já no trabalho, no princípio da descida,
se pôs a me ajudar a conduzir o veículo até embaixo. Antes uma mulher mais nova
passou por ela, sem ter esse tipo de deferência.
Voltei no dia seguinte e,
ao procurar vaga onde parar o carro, um homem jovem se apressou a tirar o carrinho de compras que atrapalhava o completo estacionamento do veículo. Eu
lhe agradeci a gentileza, e ele sorriu com bonomia para mim.
O pior, contudo, a prova
cabal e irrefutável de que virei realmente um senhor maduro – já chegando, quiçá,
à velhice irremediável – me foi dada por um homem um pouco mais novo do que eu,
dono do bar onde encomendara torresmos para abrilhantar a feijoada de domingo. Conforme
combinado, liguei para saber se a encomenda estava pronta. Ele disse que iria
verificar, deixou o telefone apoiado em algum lugar – o barulho indicava isto –
e gritou para a cozinha no fundo do estabelecimento:
- Zé, o torresmo do coroa ficou
pronto?
Confesso que só fui buscar
o torresmo, que, aliás, é deliciosamente crocante, porque já havia pagado por
antecipação. Caso contrário, deixaria que o boquirroto ficasse com o coroa preso na garganta, a vender suas
cachacinhas miúdas e suas cervejas cheias de milho e arroz, para a clientela condescendente que frequenta aquele pé-sujo. E prometo não voltar lá. A não ser que a vontade de comer torresmo seja irrefreável!
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