25 de fevereiro de 2015

FACEBOOK AFFAIR


Viu o comentário de um desconhecido de nome estrangeiro na postagem da amada, e lhe bateu um ciúme desgraçado, feito de faíscas no olhar e azedume de baba de cachorro doido. O canalha dizia a ela "vontade de estar aí contigo", em língua gringa que ele mesmo mal aprendera no colégio, suficiente, contudo, para que lesse nas entrelinhas o caso não sabido, mas agora desconfiado. Eu mato esse filho da puta, pensou. E digitou logo abaixo "quem é esse mané?". Duas horas depois, vem a resposta "um amigo meu que você não conhece". "Como não conhece? Que papo é esse de que não conheço seus amigos?". Quatro horas depois de ele remoer rancores e roer as unhas, ela digita "esse você não conhece. Mora fora. Conheci na viagem a Orlando". Que merda é essa? – acrescentou interrogativamente ao que já havia pensado antes. E continuou: acho que levei um chapéu de touro, mas isso não ficará assim. "Quero o endereço desse babaca agora, que vou lá acertar umas pontas! Quem é esse merda desse Andrew?". Ela não respondeu naquela noite. Na manhã seguinte, pelas oito horas, postou "deixa de ser abestado. Não aconteceu nada. Tira isso da cabeça!". Sentiu ironia na última frase. Que merda é essa de tirar da cabeça? Tá a fim de gozar com a minha cara? Não era homem de levar desaforo para casa, quanto mais chifre pela cabeça. Mas amava aquela miserável, que fazia do seu coração avenida de carnaval, onde pregava os agulhões do salto fino. "Ele mora nos Estados Unidos, na Flórida". "Vou invadir aquela merda. Vou provocar tsunami. Vou explodir as Torres Gêmeas. Vou fazer o diabo, mas acabo com a empáfia daquele filho de uma puta. Você só conhece a metade de mim. Não me conhece todo.". Ela passou mais um bom tempo sem postar qualquer coisa. Ele ficou ainda mais furioso. “Onde você se meteu? Vai me deixar aqui falando à toa?”. Alguns amigos entraram com tentativas de baixar o ímpeto dele. As amigas dela – algumas – postavam comentários extremamente dúbios. Aliás, tudo que ele lia parecia suspeito. Só ele, o desgraçado, não estava sabendo de nada. Foi preciso um gringo filho da puta postar uma merda de uma frase em inglês, para que ele começasse a puxar o fio de um enredo sinistro. Ela fora a Orlando, levando a irmã adolescente para os parques e, lá, na terra de ninguém – Orlando, por acaso, é terra confiável? Cheia de gente do mundo todo, que chega sem a mínima preocupação na cabeça, só querendo diversão, está pronta a permitir tudo! – encontrou um babaca que lhe disse alguma besteira naquela língua de merda e ela caíra feito um patinho. Mas ele estava disposto a ir até lá e sangrar o homem. Já estava até pensando nas respostas que daria àquele papelucho ridículo que o viajante é obrigado a preencher, ainda no avião, quando vai aos Estados Unidos: estou disposto a cometer um crime de morte; estou levando arma; sou perigoso e o caralho a quatro. Vão pra puta que os pariu, cambada de cornos! Não, corno, não! O corno ali parecia ele. Puta que me pariu, logo eu a cair nessa! Aquela vadia sempre a dizer “meu amorzinho, meu isso, meu aquilo”, e ele agora com aquela maldita frase na cabeça “I wish I was there with you”. Gringo filho de uma puta! Vai ver deitou e rolou com ela naqueles hotéis e fez a festa. E a porra da irmã não viu nada, não disse nada? Também foi cúmplice dessa sacanagem comigo?
À noite ela postou nome e endereço completo do tal de Andrew, com o adendo “faça bom uso, idiota!’. E ele ficou com uma grande cara de babaca, sem ação, sem palavra. Pegou seu passaporte, examinou bem – ainda dentro da validade; era só pagar a taxa do visto –, jogou-o de volta dentro da gaveta e soltou um “puta que o pariu” como um urro. Não ia pegar um avião, viajar nove, dez horas, para dar um tiro nos cornos de um gringo de merda que lhe destroçara a confiança na namorada, que lhe amputara uma parte significativa da vida, que o jogara num beco sem saída. Ou deveria ir, pelo menos para cumprir o que postara na merda do Facebook e dar uma satisfação aos outros? Os amigos e os desafetos viram. Mas o que aproveita dar um tiro na cara de um cara que ele nem conhece, nem sabe quem é. Você é o Andrew? E pum! Aquela porra daquele país está cheio de Andrew. Deve ser o que mais tem lá é Andrew. E ele igual a um idiota a procurar pelo Andrew certo, aquele tal, aquele único e miserável Andrew. E como chegar até lá com o pouco conhecimento daquela língua do cão? Are you Andrew? Do you know any Andrew here? E não ia ter essa frescura de please e good morning. Era pimba e pum! I’m Andrew, and so what? E ele meteria um tiro na cara do filho da puta, a polícia o prenderia de imediato – que a polícia de lá é foda, pega o criminoso antes da próxima esquina -, e a sua vida que tinha virado um grande lixão ainda ficaria pior. Se é que pior poderia ficar! Melhor esquecer tudo. Mas como esquecer? Como é que você tira um troço desses da cabeça? Puta que me pariu, outra vez o troço na cabeça! Oh, desgraça! E você pensar que sua vida não pode dar uma guinada de cento e oitenta graus, meter os pés pelas mãos, e você despencar do alto de seu rochedo de areia!
Andou pela casa feito um touro acuado. Outra vez esse ideia de touro, que merda! Feito um cão acuado fica melhor. Andou pela casa feito um cão acuado, foi até a estante, escolheu um disco de blues e pôs no som. Aumentou o volume, pegou a garrafa de um bourbon do Tennessee, sorveu uma talagada e se jogou no sofá. Toca essa porra aí que eu não tenho mais nada a perder! Buddy Guy não se fez de rogado e rasgou a sala com sua guitarra visceral: rolou Baby, please don’tleave me*.

Imagem em showmetech.band.uol.com.br.
 * Clique no título, se quiser ouvir a música.

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