Dia
desses, andando pela praça de Miracema, vi uma carrocinha de pipoca adormecendo
pela manhã, abandonada.
Naturalmente deve ter tido muito trabalho
na noite anterior e teria outro tanto mais tarde. Porém, naquele instante, ela
estava melancolicamente encostada a uma árvore, com corrente de proteção
fechada a cadeado. Até mesmo em Miracema, não se pode deixar um bem assim dando
sopa.
E, ainda que ela não exalasse aquele típico
cheiro de pipoca quentinha, minha memória tratou logo de reproduzi-lo e, num
passe de mágica, voltei à infância e às coisas que me davam prazer.
De repente, descobri, como num
filme projetado aceleradamente, que, durante toda a nossa vida, temos
esses dados gustativos a nos marcar de uma forma indelével.
Por vezes é mais fácil lembrar-se de um
prazer do paladar do que de outro sentido. A visão, tenho a impressão, é um
pouco mais efêmera que o paladar. O olfato, ainda mais que esses dois; e deve
estar ao par com a audição. E o tato, coitado, praticamente não tem memória.
E consegui construir um catálogo rápido, na
memória, durante a travessia da praça, das coisas que me marcaram pela boca,
desde a infância na vilazinha natal.
Então comecei pela mironga da dona Mocinha,
da padaria do seu Chico Furtado, já referida por mim na crônica Vou comprar uma mironga na padaria do Chico Furtado. E emendei com o pé de
moleque de açúcar batido que minha mãe fazia, para reforçar o faturamento da pequena
venda de meu pai. Em seguida, veio-me certo bife acebolado com molho ferrugem,
que minha tia Alda fez numa tarde, para lancharmos na Vala, antes de voltar a
Carabuçu. Eu e Zé Fábio, filho dela. É só me concentrar um pouquinho, para
sentir novamente aquele sabor.
E um prato das artes de minha outra tia, a
Toninha, hoje conhecido como bolo de batata com carne moída, mas que, na
época, ela chamou de cuscuz – não sei por quê. Era outra delícia, que sempre
pedíamos repetir.
Um tempo depois, da dureza do primeiro ano
ginasial em regime de internato, no Colégio Bittencourt, em Campos, ficou o
ajantarado de domingo, refeição com certo gosto de pompa, oferecida pela escola
como a única do dia. Havia um arroz de forno inesquecível. E nem devia ser tão
bom assim. Afinal, era comida de escola! Mas vai explicar isso para o
apetite de um menino de treze anos, com a voracidade dos nascidos logo após a
Segunda Guerra.
Por essa época, também, houve o robalo
recheado preparado na casa do primo Edalmo, que morava em Campos, em
comemoração ao batizado de seu filho Carlos Augusto. Jamais comi um peixe
assado, recheado, como aquele.
Já um pouco mais galalau, de volta a Bom
Jesus, vez em quando filava a sopa pedaçuda que tia Colola fazia para o jantar,
na época de frio. Era tão saborosa quanto quente, e tínhamos tanta pressa de ir
para o curso noturno, que eu e Zé Fábio colocávamos duas pedras de gelo no meio
do prato. Tal técnica garantia não chegarmos atrasados ao Colégio
Coronel Antônio Honório.
Já morando em Niterói, numa viagem a Minas,
paramos em Sete Lagoas para almoçar em restaurante localizado à beira de
um lago – era 1974. Após feijão tropeiro, lombo e carré de porco,
torresmo, linguiça assada, couve à mineira, tutu, arroz molhadinho, fomos até à
cozinha dar um abraço na cozinheira, que ficou toda vaidosa por ter agradado
aqueles “cariocas” com sua comida tradicional.
Já casado, na volta da viagem de lua de mel
meio alternativa, pelos países do Cone Sul – denominação que ainda não existia
–, em 1976, depois de trinta dias sem a culinária brasileira, adiamos a viagem
de volta em Foz do Iguaçu só para comer arroz com feijão. E foi uma experiência
restauradora das nossas raízes. Como o feijão nos fizera falta!
Em 2003, numa viagem com o casal de amigos
Rogério Fernandes e Laura Dutra, restou inesquecível o prazer do polvo
grelhado com batatas ao murro, durante o jantar no Restaurante Adega do
Morgadito, em Torres Vedras, Portugal. Convocamos o cozinheiro ao salão, para
agradecer-lhe pelo prato.

Restaurante Adega do Morgadito (em
onossoutroprazer.blogspot.com).
Há poucos anos, a quitanda metida a besta
Hortifruti andou promovendo degustações harmonizadas de comidas típicas e
vinhos de países produtores. E não me esqueço jamais do gosto maravilhoso do
toucinho do céu – doce português de nome esquisito – com vinho do Porto. Até
hoje, foi o doce mais saboroso que já comi.
Mais recentemente – e com certa frequência
–, reúno-me com os amigos Rogério Barbosa e Eduardo Campos para degustar o
maravilhoso bacalhau à lagareiro do Restaurante Alentejano, na Rua São José, no
Centro do Rio de Janeiro.
E ainda há a cabritada à napolitana de
minha irmã Elizabeth; a inusitada salada quente com batatas cozidas,
tomate, ovo cozido, alface e molho refogado de cebola de minha mãe; o refogado
de jiló com quiabo de minha sogra; o arroz com frutos do mar de minha mulher e
a poderosa feijoada que eu mesmo faço, sem a mínima falsa modéstia.
O mal não é o que entra na boca do homem. É
aquele maldito dente que dói só à noite e nos fins de semana.
Tô com fome!
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