20 de fevereiro de 2015

ISAÍAS BONGA MORREU!


Já lhes falei por aí do Isaías Bonga², negro retinto, carreiro dos bons da minha vilazinha de Carabuçu e ponta-esquerda rompedor do glorioso Liberdade Esporte Clube.
Era um homem atarracado, forte, mas afável no trato com as pessoas. Não tanto com a bola, com a qual a intimidade não chegava às raias de minha querida, meu amorzinho. Mas sabia dar suas carreiras pela esquerda, ir até o fundo e cruzar para o meio da área, onde certamente iria encontrar o Jair Bodinho, baixinho que só ele, contudo capaz de fazer gols incríveis na defesa adversária.
Isaías viveu sua vida de interiorano, pegando duro no trabalho e jogando seus joguinhos do Campeonato Bonjesuense de Futebol, em defesa das cores azul e branca do Liberdade. Tinha sido até bem tarde um solteirão reconhecido. Porém com a viuvez da Tonica, mulher do Cocote, o goleiro do time, Isaías resolveu juntar sua pobreza com a dela. E viviam na casinha dele, para os lados do Valão Liberdade, vizinhos do Juca Jacó.
O tempo ia passando e a relação dos dois piorando. Talvez nunca se tivessem dado muito bem mesmo, mas se conformaram em viver juntos, nessa necessidade danada de um homem ter uma mulher, de uma mulher ter um homem. Um aquecendo o outro nas noites frias da vila, servindo de companhia, para que a existência não fosse de tudo sem serventia.
E bebia, o Isaías!
Até que certo fim de dia de calor, estando ele sem camisa à janela da casa, de olho no pouco movimento da rua, caiu debruçado sobre a soleira, cabeça pendida para o lado de fora.
Pouco depois, volta Tonica da rua e vê seu homem naquela posição e logo pensou mal dele: Vai ver já bebeu todas e dormiu dependurado na janela igual a um fardo de carne-seca. Entrou em casa e foi acordá-lo. Contudo o seu era o sono eterno. Dele já não mais acordaria.
Tonica saiu para a rua novamente para dar a notícia da morte do marido. Os vizinhos foram os primeiros a chegar e a remover o corpo daquela posição incômoda – Lá isso é jeito de morrer!, disse um – e colocá-lo sobre a cama. Uns e outros começaram a indagar de Tonica como se dera aquilo, e Tonica não tinha muitas explicações, a não ser o fato de já o ter encontrado prostrado sobre a soleira da janela. Alguns mais maldosos logo desconfiaram da Tonica, em virtude dos últimos tempos de desentendimentos quase diários. Vai ver – suspeitaram outros – ela tenha posto formicida Tatu no feijão do pobre coitado, pois fora um pouco depois da janta que ele entregou a alma, partiu dessa para a pior, espichou as canelas, deu com os costados na cerca, ou lá o que o valha.
Quando ela soube que pairava forte desconfiança sobre sua pessoa, botou a boca no mundo a dizer que nunca faria uma coisa daquelas, que não era criminosa, que seu natural era de paz. E garantia a todos que o Isaías morrera, porque bebia muito.
Enquanto se providenciava o caixão e se decidia sobre em que tipo de cova sepultá-lo, colocaram o corpo do ex-ponta-esquerda sobre uma mesa comprida, coberto por um lençol branco da cabeça aos pés. Os vizinhos e amigos ficaram ali velando o morto. Umas senhoras piedosas puxavam alguma reza para encomendar a alma do coitado, enquanto Tonica passava café quente.
Lá pelas tantas observaram que o lençol começou a se movimentar justamente na altura do dedão do pé canhoto, o pé dos chutes potentes do time do Liberdade. Foi um Deus nos acuda. Saiu gente pela portinha da casa numa sofreguidão desesperada. Alguns até pularam a janela onde ele tinha morrido.
Nessas ocasiões, há sempre um mais corajoso, que resolveu voltar à sala, para verificar o que de fato estaria ocorrendo. Levantou, devagarinho e um tanto desconfiado, o lençol do dedão do pé do Isaias e lá estava um besouro de chifre prestando suas últimas homenagens ao ponta-esquerda do time local.
Dias depois da inumação do corpo, enterrado em cova rasa, fez-se a necropsia, que constatou que Isaías morrera de embolia pulmonar. Tonica estava inocente no caso.
Mas Isaías estava definitivamente fora do time dos vivos!

Imagem em ra-bugio.org.br.
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¹ Esta história me foi contada pelos amigos Jane e José Luiz Padilha. Eu já não morava mais na vila, quando ocorreu.


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