Embora
tenha sido extremamente religioso boa parte da infância e juventude – era católico
– e vivesse, por esse tempo, no interior, onde as crendices e superstições têm,
ou tinham, um papel importante na vida diária, nunca fui chegado a acreditar
em boa parte daquelas coisas. Tenho a impressão de que o germe da incredulidade
já se esboçava lá dentro da minha cabeça.
Alguns
desses tabus eu mesmo procurava quebrar; para outros, tinha alguma reserva. O medo,
às vezes, me fazia prudente em não cruzar certas fronteiras.
Havia,
por exemplo, coisas assim: não se pode tomar banho depois de almoçar ou jantar,
porque dá congestão; não se bebe leite e se come manga, porque é um veneno
mortal. O mesmo valia para beber cachaça e comer manga. Quando chovia com raios
e relâmpagos, as pessoas cobriam os espelhos com um lençol, para evitar atrair o
raio. Não se devia apontar o dedo para a lua, pois nasciam verrugas. As figueiras,
árvores de grande porte, eram comumente mal-assombradas, sobretudo nas noites
de lua cheia. Nos ermos escuros da noite, havia sacis. Mulas-sem-cabeça se
manifestavam em filhos de padre e outros tipos de amaldiçoados pela sorte. Para
alguns males, havia sempre uma reza, uma benzedura: espinhela caída, pescoço-duro,
vento-virado, panarício, descadeiramento. Punham-se e tiravam-se quebrantos das
pessoas. Havia o olho gordo, ruim de matar passarinho, fazer murchar as plantas
do jardim e da horta. Fora a imensidade de simpatias e garrafadas para várias ziquiziras
que assolavam as pessoas. Tínhamos na vila algumas pessoas especializadas
nesses assuntos. Seu Gregório e seu filho, o Filhinho Gregório, faziam
garrafadas famosas, capazes de resolver muitos incômodos. Uns eram benzedores:
benziam gente e bicho achacados por alguma macacoa.
Uma
delas, por exemplo, Sá Luzia, certa vez foi chamada lá em casa. Eu havia
voltado do campo do glorioso Liberdade Esporte Clube, onde fora brincar de bola
com meus amigos. Ao final da pelada, pulei para pegar a camisa que tinha
pendurado no travessão do gol. Mal bati o pé no chão, camisa segura na mão,
notei que meu pescoço tinha ficado duro. Por esse tempo, chamávamos torcicolo
de pescoço-duro. Já cheguei em casa mal aprumado, pescoço de revesguete. Mamãe não
conhecia melhor remédio que a reza de Sá Luzia. Quando a velha mulher chegou e
disse o que tinha de fazer, fiquei cabreiro, pois ela pediu à minha mãe agulha
e linha, para costurar meu pescoço. Deitei desconfiado sobre sua perna, e ela
passou a costurar, sem linha, o pequeno pedaço de pano, que colocara sobre o
lado do pescoço acometido pelo torcicolo. E debulhava baixinho uma reza que eu não
compreendia. Daí a alguns minutos, levantei dali sem mais sentir nada.
Pouco
tempo depois, apareceu-me na parte interna do dedo anelar esquerdo – o seu-vizinho – uma verruga. Quando meu pai viu aquilo, falou com seu Nico Fragoso,
tabelião da vila, ateu e comunista, o qual tinha uma simpatia infalível para
verrugas e outros problemas de pele. Lembro-me de que meu pai escreveu num
papel, a pedido dele, meu nome completo e a data e hora do meu nascimento, pois
ele iria fazer a simpatia, sem tocar em mim. Alguns dias depois a verruga
desapareceu misteriosamente. E nunca mais voltou.
Aí
o leitor amigo vai me perguntar se eu acreditava ou acredito nisso. E vou dizer
que, desde então, até hoje, nunca acreditei nesse tipo de procedimento, mas que
aconteceu comigo, ah!, isso aconteceu.
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Helena Coelho, A benzedeira, 2002 (em pinturasnaifdehelenacoelho.blogspot.com). |
Amigo Saint-Clair, a nossa semelhança nestes assuntos é total!
ResponderExcluirTambém não acredito em nada dessas coisas, apesar de ser testemunha de algumas bem esquisitas...
Vou tentar contar uma cena que se passou comigo:
Estava visitando a Ilha da Páscoa com a Daisy e um guia Rapanui. Para os naturais da Ilha (Rapanuis), as pedras e o chão são sagrados. Estava ele a explicar-nos determinado significado de uma pedra à qual eles chamam umbigo do mundo, falando em surdina, como se estivessemos num lugar de culto, quando aparecem no local duas francesas, a falar alto e a rir em altas gargalhadas.
O guia, ficou incomodado com a falta de respeito pelo local e disse-nos: Há pessoas que não respeitam nada!... Mas também não vão conseguir tirar fotografias, a máquina só voltará a funcionar quando abandonarem este local!
Uns segundos depois, uma das francesas pede-me se posso ver o que é que a máquina fotográfica tem, que estava boa e deixou de funcionar!... Como eu tinha uma máquina idêntica poderia saber! Peguei na máquina e constatei que a máquina tinha as peças, como se estivessem soltas. Disse que não podia resolver sem abrir e não seria conveniente, pois iria destruir as fotos que já tinham tirado (tratava-se de uma máquina de rolo).
Foram embora desoladas. O guia diz: Eu não disse, que não tiravam mais fotos?!...
Fiquei de boca aberta!
São os tais mistérios que não entendemos, Alfredo. Muito interessante teu relato.
ResponderExcluirEu, como não acredito em bruxedo, penso que há uma razão lógica para o sucedido.
ResponderExcluirO local, era altamente magnético e a máquina das miúdas era de marca Soviética e essas máquinas eram feitas com materiais ferrosos,ao contrário das japonesas que são feitas de titânio e aço inox, materiais que não são afectados pelo magnetismo. O Guia podia ter reparado na máquina e arriscou a "boca" pois, ele próprio, confirmou que já não era a primeira vez que isso acontecia!
Pois aí está a explicação para o "mistério". Hahaha!
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