24 de maio de 2014

PSA NA VEIA


Acordou cedo no sábado para o exame do PSA. A próstata andava saliente há alguns meses, e o médico foi taxativo:

- Só dou mais essa chance. Se continuar assim, teremos de fazer uma raspagem em sua próstata.

O médico tinha verdadeiro pavor de taxa de PSA alta, embora a biópsia anterior tenha dado negativo para câncer. Não gostava daquilo. Para ele, não era bom indício. Próstata é bicho arisco, traiçoeiro. Quando menos se espera, aplica sua peça de mau gosto no paciente. Como ocorrera com um amigo dele, médico, que sofreu o diabo com aquela minúscula glândula. Não queria que ele também passasse por isso. Então era a última chance que lhe dava.

Por isso é que estava indo para o laboratório bem cedo para um sábado aposentado. Raramente acordava àquela hora. Assim não sabia dos acontecimentos da manhãzinha. Apesar de a vida nunca deixar de correr solta em todos os horários e em todos os sentidos, só tomava conhecimento dela após as nove, e olhe lá!

Naquele momento, não havia muitas pessoas nas ruas. Até chegar ao laboratório, não andaria mais que seiscentos/oitocentos metros. E começou a reparar que jovens bonitas também acordam cedo. Até mesmo no sábado. E vieram algumas em direção contrária. A cada uma que lhe passava próximo, era um suspiro, uma contrição, uma invocação aos céus:

- Ai, meu Deus! Nossa Senhora! Arf!

Tudo baixinho, inaudível para os outros, mas bem nítido para ele, como que para dizer que permanecia vivo, apesar de todas as suspeitas. E veio uma morena de cabelos longos, calça legging de ginástica coladinha em seus contornos exuberantes. A seguir, uma lourinha de saída de praia (Há gente que acorda cedo para pegar sol – coisa impensada para ele.), a deixar entrever seu biquíni minúsculo. Também outra morena, tipo mignon, com uniforme de trabalho e um andar cadenciado pelo salto alto, espalhando no ar um agradável perfume.

Até chegar ao destino, foram rezas, exclamações e suspiros profundos de admiração pela beleza feminina, como a sustentá-lo nesse tipo de vicissitude por que tivesse de passar. Embora incréu empedernido, Deus o socorresse nesses momentos, para que não enfartasse antes mesmo de saber o resultado da maldita próstata.

Não havia clientes no laboratório. Foi atendido de imediato e, sem que se levantasse da cadeira, a vampira da vez chamou por ele:

- Seu fulano!

Levantou-se e se dirigiu até ela, corrigindo a pronúncia errada que dera para seu nome. Ela sorriu e se virou em direção à saleta. Era uma vampira jovem, bela e com um derrière de fazer francês esquecer o acento grave. Começou achando que já estava valendo a pena o sacrifício dos Andradas.

Solícita e bonita, a moça foi preparando o material e indicava sua procedência, o caráter de descartável, a etiqueta com seu nome no tubo. Mas tudo começava a perder um pouco do sentido. É que a cada movimento dela, jaleco aberto, a blusa curta subia e ele vislumbrava a calcinha cor-de-rosa um pouco abaixo do cós da calça jeans suavemente surrada. Passou, então, a fingir que prestava atenção ao braço e à veia de onde se recolheria o sangue para o exame, só para ficar de olhos atentos para aquele espetáculo matinal, não previsto pelo plano de saúde. Assim que a jovem lhe fincou a agulha numa veia distraída, o sangue jorrou forte, ao ver o sulco descendente que, a partir do quadril, corre em direção à virilha e ao triângulo de Vênus. Sentiu, então, que derramava o sangue por uma boa causa.

Ao sair da saleta - um tanto tonto pela visão e não propriamente pelo sangue derramado -, esparadrapo vedando o buraquinho na veia, viu, sentada na mesma cadeira em que estivera cinco minutos antes, uma bela morena esguia, cabelos fartos e vestidinho vaporoso curto a revelar suas pernas bem torneadas. Era muita visão beatífica para uma manhã de sábado despretensiosa. Saiu à rua atordoado, sem saber o que fazer com aquela próstata desgraçada, que já lhe estava tirando do sério.

O mundo, a vida, as belas mulheres estavam ali a dizer que tudo continua lindo, ininterruptamente. Ele é que anda um tanto capenga, precisando tomar mais conta da glândula traiçoeira do que das outras glândulas corporais. Se quiser continuar admirando, por mais alguns anos, toda a beleza espalhada por aí.

Imagem em unb.br.

4 comentários:

  1. Além do texto, como sempre, muito bom, o personagem principal eu conheço. É um amigo meu...

    ResponderExcluir
  2. Imagino o que o Seu Fulano deve ter sofrido!...
    O Texto, como sempre, uma preciosidade!
    Aquele abraço.

    ResponderExcluir
  3. Não sei se conheço o personagem; mais dia menos dia passarei "emos" por isso. E o viva o testo. Por essa facilidade em escrever jamais passarei.

    ResponderExcluir
  4. Obrigado aos amigos leitores pelas palavras, que levarei ao Sr. Fulano. Abraços.

    ResponderExcluir