11 de fevereiro de 2014

POESIA NUMA HORA DESSAS?!

(Publicado originalmente em Gritos&Bochichos em 3/11/2011.)
O título desta postagem remete ao Pasquim, jornal de humor que pontificou na imprensa alternativa brasileira, sobretudo durante o período da ditadura militar.
De quando em vez, apareciam poemas em suas páginas: às vezes de tom humorístico, às vezes de tom lírico ou político. Sempre, no entanto, eles eram apresentados sob o título que encima este texto, como que a indagar como seria possível pensar em poesia sob o estado de coisas em que vivíamos.
Dizem alguns que a poesia é necessária; outros, contudo, torcem o nariz para este tipo de manifestação artística, sob a ótica de que "poesia é coisa de romântico sonhador", visão que nem sempre corresponde à realidade.
É bem verdade que, tão logo nos apaixonamos pela primeira vez, somos levados a cometer alguns versos para o objeto de nossa paixão, na tentativa, frequentemente canhestra, de conquistá-lo. E daí vem a visão equivocada que dela se tem. Ou, também, pela prevalência na divulgação de poemas com esta característica a que comumente assistimos.
Outros dizem que, mesmo não sendo necessária, a poesia torna o mundo mais bonito, mais interessante, porque, via de regra, traduz de forma artística - como várias outras artes - um olhar sobre a realidade ou sobre os sonhos, os anseios e os sofrimentos humanos.
Todos nós que passamos pelos bancos escolares tivemos - ou temos - contato com a poesia e, de uma ou outra forma, ela nos toca, nos sensibiliza, nos emociona, nos entretém.
É preciso, porém, que se diga, de modo racional, que a poesia é uma forma de expressão humana semelhante a outras que não trabalham na linha técnica ou científica. Assim são também, por exemplo, a música, o cinema, a escultura, a pintura, a dança, a arquitetura, a literatura em geral.
Enquanto uns têm habilidade em trabalhar a forma, fazendo imagens tridimensionais, esculpindo, moldando, outros têm a palavra como matéria prima de sua expressão. E nenhuma dessas manifestações se sobrepõe às outras em valor ou em importância.
Conheço pessoas, até amigas, que já me disseram claramente que não gostam de poesia. E isto não me escandaliza. Sei de pessoas ainda que não gostam de música, o que realmente me parece bastante estranho. Todavia cada um gosta do que gosta.
Mesmo eu, que gosto de poesia e cometo as minhas próprias, tenho certas preferências. Por exemplo: não gosto de poesias com excesso de metáforas; não gosto de poesias que primem pelo inusitado da forma, de um jeito artificial, ainda que ache o Concretismo muito interessante.
O poeta não precisa ficar inventando figuras, tentando mostrar criatividade inusitada. Já vi poeta que até em entrevista fala como poeta, cheio de nó pelas costas. Não vou dizer seu nome aqui, para não ser crucificado na próxima esquina, pois sei que ele é cheio de fãs. Porém acho isto pedante, presunçoso, pernóstico, pretensioso, sei lá. Parece que ele quer mostrar aos outros que é o maior: olha como eu sou criativo. A simplicidade também constrói coisas belas.
E também não precisamos ser só líricos, ou políticos, ou satíricos, ou dramáticos, ou trágicos. E a poesia que se faz não precisa necessariamente refletir a pessoa física que a produz. Quando se assiste a um espetáculo de dança, em nada se pensa na pessoalidade de seu autor. Não se trata obrigatoriamente da vida dele, do que sente, do que sofre, do que sonha. O espetáculo precisa valer por si, como, aliás, qualquer obra de arte: ela deve ter seu valor intrínseco, não importa a extensão que tenha.
Podem-se até observar características pessoais na expressão da forma de arte, mas isto não significa que a pessoa, em toda sua complexidade psíquica, esteja ali representada.
Da poesia somos sempre levados a pensar isto, talvez porque seja a arte mais próxima do criador. É aquela que, se oral, é produto direto do corpo, através da voz; se escrita, está muito próxima do autor, porque sua matéria é a palavra, produto da mente, nascida diretamente do seu interior.
E a Poesia, agora com letra maiúscula, construiu, ao longo dos séculos, belos exemplares, que resistem tanto ou mais que monumentos e edificações que o gênio humano colocou sobre a face do planeta. E seus autores estão para sempre entre os seres mais ilustres que conhecemos. Cito apenas alguns: Homero, Dante, Camões, Baudelaire, Chaucer, Lorca, Pessoa, Borges e o nosso Carlos Drummond de Andrade, cuja data de nascimento se comemorou há pouco.
E, para não me alongar demais em defesa da poesia, transcrevo deste último um poema singelo:
MEMÓRIA*
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
(*in Reunião - 10 livros de poesia, p. 168. Rio de Janeiro, José Olympio, 1971.)
Pablo Picasso, A leitura, 1934 (nathaliearmindo.blogspot.com).


Um comentário:

  1. Olá, Saint-Clair... considero a Poesia a forma de perceber e expressar a realidade. Todos a usam, uns mais outros nem tanto. Mas a verdade é que todos nós buscamos uma maneira de atingir o sublime. E isto, creio, faz da Poesia a religião mais natural do mundo.

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