20 de fevereiro de 2014

POR QUE NÃO SOU MAIS VOLUNTÁRIO A NADA

Decidi não me oferecer nunca mais, em tempo algum, para voluntário de qualquer coisa, por mais simples que seja, desde o final do ano de 1965. Posso explicar por que e todos me darão razão.
Era o encerramento do serviço militar no Tiro de Guerra nº 1. O subtenente Silva, diretor do TG1 e instrutor da tropa, formada por cerca de cinquenta jovens das mais variadas origens, solicitou voluntários para ajudarem na seleção dos novos recrutas, tarefa a ser executada por um grupo do comando da Capital, ao qual aquela unidade era hierarquicamente subordinada.
No entusiasmo pelo fim do serviço militar, já com meus dezenove anos completados em novembro, ofereci-me com mais uns cinco ou seis colegas de corporação. Fiquei na expectativa de repetir um serviço que fazia com frequência: datilografar as fichas dos conscritos. Modéstia à parte, eu era exímio datilógrafo, função essa praticamente extinta na vida moderna, mas cujas habilidades foram muito bem exportadas para a tal da digitação que presentemente se faz nos computadores.
No dia marcado, chega o grupo da Capital para proceder à seleção dos novos soldados. Apresentamo-nos os voluntários para as tarefas.
Era dezembro, fazia um calor terrível, e o grupo de candidatos se apresentou nas dependências do antigo departamento de transportes da prefeitura municipal, que tinha um grande pátio e um pequeno espaço coberto composto por dois cômodos, um deles, com cerca de nove metros quadrados, telhado baixo, sem janela, portanto sem ventilação.
Os conscritos eram chamados em grupos de dez e recebiam ordem para tirar toda a roupa no cômodo fechado, aguardando assim chamada para o exame de saúde na sala contígua. Tal exame, feito apenas de olho pelo oficial médico, consistia também em se colher o peso, a altura, as medidas do tórax e das coxas dos rapazes. As fichas eram feitas por um cabo, que viera com o grupo. O oficial médico ainda mandava que cada um deles colocasse o dorso da mão sobre a boca e soprasse com força, sem deixar o ar escapar. Descobri depois que era um meio de se verificar se o candidato  portava  alguma hérnia nas partes inferiores, ou como se dizia lá: se era rendido.
Eram mais de cem candidatos que, em grupo, entravam no cubículo, já transformado em uma estufa, tiravam a roupa e aguardavam a chamada para o exame.
Imaginem para quem sobrou a função de pesar e medir os candidatos? Adivinharam: eu, a besta aqui que se meteu a bonzinho e quis colaborar, no entusiasmo do serviço à pátria e coisa e tal!
O bodum que exalava do cubículo, combinado com a tarefa de pesar e medir aqueles homens pelados, cada um com um cheiro diferente, me produziu tal repugnância – nunca mais experimentada na minha vida –, que, no intervalo para o almoço, não tive estômago para comer. Minha mãe achou aquela inapetência muito grave, pois, nessa época, eu era um garfo firme, de fazer frente a trabalhador braçal diante de um prato de comida. Carne, então, só consegui comer depois de mais de uma semana, após sair de minha memória olfativa aquele odor insuportável de corpos suados e com a higiene vencida. Afora, o espetáculo dantesco de bundas, sacos, pintos e pentelhos, no varejo e no atacado. Vade retro! Cruz-credo!
Bem feito, quem me mandou ficar todo oferecido, que nem mulher dama? A partir de então, tomei a decisão, definitiva e irrevogável, de não me oferecer jamais, em tempo algum, sob nenhuma hipótese, como voluntário para absolutamente nada. Quem quiser que vá, menos eu! Tenho ou não tenho razão?

Leonardo Da Vinci, O homem vitruviano (em em pt.wikipedia.org).


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