8 de fevereiro de 2014

SOBRE A PONTE, AO PÔR DO SOL

Dia desses, saí para fotografar o pôr do sol e me dirigi para o promontório onde está o Museu de Arte Contemporânea de Niterói – MAC. Como o sol ainda estivesse um pouco alto, senti que seria possível caminhar um pouco mais, até chegar à avenida litorânea em frente ao novo campus da UFF, no Gragoatá. Resolvi, então, conferir o visual de sobre a ponte que liga o continente à Ilha da Boa Viagem, a qual já percorri exatas três vezes de cabo a rabo. Nesse dia, não cheguei ao fim.

Lá já estavam alguns tipos humanos. Um homem da minha idade, mais ou menos, que parecia procurar um bom sinal de celular, que ele dedilhava. Logo a seguir, estava outro homem um tanto mais jovem, de roupa social – calça, camisa de manga comprida, sapatos pretos –, debruçado sobre o guarda-corpo, olhando em direção ao MAC, com uma expressão grave. Imaginei que estivesse pensando em se matar, mas verifiquei que a altura da ponte não seria suficiente para tal, e também porque, lá embaixo, havia a areia fofa, que na maré vazante fica à mostra e permite chegar à ilha por terra. Do lado oposto, estava uma bela jovem morena, com seus fones de ouvido, a captar imagens do pôr do sol. Porém um pouco antes dela, um homem mais jovem, gordo, alto, enrolava uma linha num carretel. Distraidamente lhe perguntei se seria possível pescar dali, ao que me respondeu que estava soltando pipa. Ele me chamou a atenção para um grupo que fazia fotos à beirinha da água: uma bela jovem de biquíni fazia poses para três fotógrafos. Parecia coisa de profissionais. Sugeriu-me, então, que desse um foco sorrateiro na moça, que, daquela posição, parecia ter um bumbum muito bem feito. Segui adiante, sem o atender, para fazer minhas fotos. No final da ponte, havia um grupo de amigos que conversavam.

Ao voltar, percebi que o homem que me parecia um possível suicida já estava de conversa com uma moça pouco mais nova do que ele, também vestida socialmente. A cabeça dá suas voltas para imaginar que os dois, provavelmente amantes, marcaram encontro sobre a pontezinha da ilha, lugar inusitado, onde ninguém que os conhecesse pudesse vê-los. Não sei o que falavam, pois não tenho ouvidos para isso. Mas o contraste entre a visão inicial – homem sério, olhando o nada – e a cena de agora – homem conversando com mulher que acabara de chegar – me levou a fantasiar o encontro de amantes, não para o sexo, mas para ajustarem os ponteiros, como se dizia outrora. Deveria haver algum ruído na relação, que precisava ser contornado. Ou, quem sabe, ele, descoberta a pulada de cerca pela esposa, teve de, a contragosto, dar um fim nesse seu caso e pensou que naquele panorama a dor da moça seria um pouco menor. E também que ela não teria as condições ideais para se atirar, desesperada, ponte abaixo, porque isso não a levaria a nenhum lugar além daqui. No máximo, ao hospital.

O pôr do sol talvez seja momento menos ingrato para esse tipo de conversa. De manhã cedo, seria muito imprudente, já que a pessoa acorda com o espírito totalmente desarmado e pode ter uma reação inesperada, de consequências imprevisíveis. Ao meio dia, atrapalha-se o almoço, ou a digestão dele. À noite, certamente, ele já deveria estar em casa, comendo com o prato na mão, diante da tevê, acompanhando os derradeiros capítulos da novela, ao lado da esposa com cara de não-me-toques. Assim, avisada por ele do encontro irrevogável àquela hora da tarde, seu espírito teve o expediente interior para se preparara para o pior.

Não testemunhei o desfecho do caso, mesmo que sem palavras – me habituei a ver alguns filmes mudos e aprendi a entender cenas sem palavras –, porque o pôr do sol estava cada vez mais interessante um pouco mais à frente, já diante dos novos prédios da UFF. Mas imagino que a moça não deve ter sentido muito. Afinal a natureza – continuo a imaginar – lhe deu um presente maior do que aquele homem, que não parecia ter nenhum charme especial (Também isso é imaginação minha!).

Pôr do sol na Baía da Guanabara, a partir da ponte da Ilha da Boa Viagem (foto do autor).


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