27 de dezembro de 2013

TEREQUINHO


Quando Tereco morreu, numa manhã sombria de Miracema, o vizinho salvou um filhote de sanhaço que caíra do ninho pendurado em uma árvore do seu quintal. Amigo do finado, deu ao pássaro desventurado o nome de Terequinho, como forma de homenagem ao vizinho prestativo e solidário, que empreendia viagem para o desconhecido naquele mesmo dia. Pensou resignado: vai o amigo antigo, vem um novo amigo.
Criou-o com todo o desvelo que se pode atribuir a um bichinho de estimação, seja ele de pena ou de pelo, como é muito comum atualmente.  Terequinho se tornou um belo sanhaço macho, de canto reconhecido nas imediações da rua da Capivara. Era só abrir o bico que os vizinhos já sabiam: Terequinho entrara em ritmo de concerto. Seu canto fazia contraponto, até mesmo, às batidas metálicas da oficina mecânica do Tabaco, nos arredores.
Mas o Brasil é um país esquisito. Enquanto permite que políticos salafrários mantenham seus cargos e possam candidatar-se a novos, com o beneplácito de autoridades judiciárias, manda prender os amantes de pássaros que os mantêm em gaiolas, como se isso fosse um crime hediondo. Assim o IBAMA bateu à sua porta, querendo saber de Terequinho e seu canto.
Não adiantaram explicações. O dedo duro da lei confiscou o pobrezinho e o levou embora, a fim de soltá-lo na natureza vasta e materna, onde ele poderia viver em liberdade total, espalhando seu canto maravilhoso entre árvores e flores, sobre córregos e várzeas. O vizinho ainda se deu por satisfeito por não ter sido preso. É sempre assim: se você prende um passarinho na gaiola, a lei o solta e prende o ser humano. É realmente uma coisa muito esquisita!
Deu-se, então, que o cioso fiscal do IBAMA, no cumprimento estrito de sua função, dirigiu-se ao primeiro bosque que encontrou lá pelos lados de Venda das Flores, já na subida da serra. Chegando à borda do mato, desligou o motor do carro oficial, pegou a gaiola, abriu a portinhola e tirou com a mão o espantado Terequinho. O animalzinho, atônito, não compreendia o que seria da sua vida, a partir daquele momento. Como comeria? Como mataria sua sede? Onde encontraria as frutas e as sementes saborosas que, milagrosamente, apareciam no cochinho de madeira logo abaixo dos seus pés, todo santo dia? Em que poleiro dormiria? Que amigo lhe falaria, todas as manhãs, palavras macias e sonoras e faria carinho em sua cabecinha desmiolada?
Para espanto do fiscal, o sanhaço não levantou voo, por mais que ele o tentasse. Simplesmente o pássaro se recusava a privar-se do convívio com os humanos, especialmente do amigo que o salvara da morte certa.
Ao fiscal não restou opção, senão voltar a Miracema, para a mesma rua da Capivara, e devolver Terequinho ao seu amigo e companheiro, que o socorrera na hora mais difícil de sua penosa vida, quando se viu apartado da mãe e desabado do ninho, sem nenhuma perspectiva em sua pequenina existência de pássaro abandonado.

Foto gentilmente cedida por Hélcio Granato Menezes, meu parceiro no grupo EM MIRACEMA OU NO CINEMA.

(Livremente inspirado em fato real ocorrido na primavera de 2010, em Miracema/RJ.)
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NOTA: A bela ilustração anterior deste texto foi removida. Havia pedido autorização a seu autor, mas ele não me respondeu. Como fiz a citação como manda a ética, julguei que não seria incorreto, já que este blog não tem finalidade lucrativa. Infelizmente deparei com a foto suprimida. Resolvi, então, não usar outra. É a primeira vez que isso ocorre. Terei mais cautela nas próximas.
Agora, o companheiro do grupo EM MIRACEMA OU NO CINEMA, Hélcio Granato Menezes, me fez a gentileza de ceder sua foto, que aí está, em substituição à anterior. Obrigado, Hélcio!

4 comentários:

  1. Em tempos severamente jurídicos como o que estamos vivendo, onde a letra seca da lei dá margem a absurdos, teu conto nos remete a uma lei não escrita e necessária: a compaixão.

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    1. Com certeza, Paulo Laurindo. Sem ela, somos comparados às bestas.

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  2. Meu pai, soltou os passarinhos no próprio quintal, fez um grande coxo onde colocava religiosamente comida e água fresca. Os passarinhos passaram a morar soltos no quintal e com eles vieram muitos mais. Esta era a grande alegria de papai!!!!!!

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    1. Cada um com sua história. Obrigado pelo depoimento e pela leitura.

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