6 de agosto de 2013

SE NÃO MORRER, EU MATO

(Publicado originalmente em Gritos&Bochichos em 23/5/2010.)

Um burburinho se instalou sobre a ponte que liga as duas Bom Jesus, do Norte e do Itabapoana, na fronteira entre os estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro. O motivo da confusão era a tentativa de suicídio por afogamento que Valcírio armava com estardalhaço. Alguns passantes, quando perceberam Valcírio sobre o parapeito da ponte, preste a se atirar nas águas barrentas do Itabapoana, correram a segurá-lo. Desatinado, o homem gritava que queria se matar, que sua vida não valia mais nada, não tinha mais sentido. Tudo porque descobriu que sua mulher, uma morena fornida em carnes, facilitava a vida de uns e outros.

Pego no desaviso com a revelação do amigo de botequim, correu até sua casa, onde pôde constatar a veracidade da fofoca. Albertina estava de acochambração com um vizinho espadaúdo, cuja pele brilhava de suor sob a fraca lâmpada do abajur na mesinha de cabeceira. Saiu correndo do local, as ideias embaralhadas.

Agora estava ele ali, armando a confusão, muito mais para chamar atenção para si. No entanto as pessoas não percebiam que aquilo era mais um pedido de socorro do que o desejo real de se matar.

- Não cometa esse desatino, Valcírio! Tome juízo, homem!

- Me deixem, eu quero morrer! Vou me jogar no rio, quero morrer!

E seguia esse vai-não-vai, com gente chegando, a confusão aumentando rapidamente sobre a ponte, onde já não passava mais nenhum veículo.

Até que chegou Saturnino Malagueta, nordestino cabra da peste que morava do lado capixaba há mais de quinze anos, mas que ainda não deixara de todo uns hábitos da terrinha: andava sempre com uma peixeira de lâmina estreita e comprida na cintura, para qualquer emergência. E foi-se metendo entre o povinho que cercava o desatinado, impedindo-o de pular ponte abaixo. 

Empurra daqui, empurra dali, abria caminho com seu corpão acobreado, para assuntar o ocorrido. Até que chegou no centro dos acontecimentos e viu a cena: Valcírio contido por uns três ou quatro homens, pedindo para deixá-lo morrer.

- Que é que está acontecendo aqui? Qual o motivo desse forrobodó? – perguntou Saturnino.

- É o Valcírio, Saturnino! Tá querendo morrer só porque descobriu que é corno!
Saturnino Malagueta não vacilou: sacou da peixeira de lâmina reluzente, pegou no colarinho do pobre Valcírio e disse para todos ouvirem:

- Ó xente, Valcírio, se você quer morrer, vou ajudar! Vai ser agora! Deixa o homem comigo, gente! – falou para os demais.

- Que é isso, Saturnino?! – gritaram alguns. E partiram para segurar o nordestino, contido com certa dificuldade, já que estava verdadeiramente decidido a ajudar o pobre coitado a partir desta para melhor.

Valcírio só teve tempo de dizer, antes de desmaiar:

- Pelo amor de Deus, Saturnino, não me sangra não! Ai, meu Deus!

E ficou o dito pelo não dito e o suicídio pelo não suicídio. Valcírio aprendeu a suportar a infidelidade da mulher, porque ameaça de suicídio, naquela terra, era quase um princípio de morte. Cruz credo, sô!

Imagem em desciclopedia.org.

2 comentários:

  1. Ô xente! parece ité istoria do "Cel. e o lobisomem" inté cumedo do Saturnino fique. Deu e q me livre.

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    1. Obrigado pela comparação, que muito me honra, Anônimo. Pena que seu nome não apareceu aqui.

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