15 de agosto de 2013

CONSEQUÊNCIAS FUNESTAS

(Publicado originalmente em Gritos&Bochichos em 19/4/2010.)

Sentiu um repuxo no baixo ventre que ia da hérnia inguinal até a cicatriz da facada do lado esquerdo, logo abaixo da aba da costela. Era feito um corisco rasgando o céu em noite escura de tempestade. Disfarçou o incômodo inventando um passo esquisito para o forró que dançava com a noiva, numa das ruelas da feira nordestina, no Centro Luís Gonzaga de Tradições Nordestinas, em São Cristóvão, naquele sábado de maio. A moça, dançarina emérita desse ritmo, estranhou a invencionice do noivo, mas acompanhou o passo.

- Que invenção é essa, Genival?

Genival, no que ia responder, teve um segundo repuxo, mais pestilento, e se dobrou todo, agora sem disfarçar. Gemeu no ouvido dela:

- Das Dô, segura aí que tenho de ir correndo ao quartinho! – ele ainda com o vocabulário da santa terrinha, que chamava de quartinho a privada.

No recôndito daquele cômodo fétido, de higiene duvidosa e pouco papel de serventia, amaldiçoou a hora em que resolvera destrinchar uma buchada de bode, movida a doses de Serra Grande e Olho D’Água e aspergida por jatos de pimenta-de-bode. Agora não adiantava mais! O estrago já estava feito. E bem que Das Dores o prevenira para não abusar, pois recém-saído de uma escandescência tratada a óleo de rícino. E você atendeu? Nem ele! Bem feito! – pensou ele – Quem manda achar que sei tudo! Não podia ter ouvido Das Dô?

O malefício daquela diarreia se estendeu pelo resto da noite e toda a madrugada, sem deixar o pobre Genival sossegado. Era o mal afamado piriri-gangorra, que faz o padecente ora no vaso, ora na cama, ora na cama, ora no vaso, por um período em que só os ensandecidos intestinos podem saber, eles no comando da vida do depauperado Genival.

Só teve tempo de chegar a casa, sem se borrocar pelas pernas abaixo, porque morava nas imediações do Campo de São Cristóvão, num pequeno quarto atrás da loja em que trabalhava, na rua Bela. Nessa noite, Das Dores não quis ficar com ele, porque não teria proveito de nada, mas providenciou numa farmácia de plantão remédio eficaz para a moléstia. O atendente até recomendou como tomar o medicamento para que o mal fosse sanado o mais depressa possível, mas disse, ainda, que o estragado do bucho tinha de sair todo. Não podia reter o troço lá dentro, para não complicar ainda mais a situação de Genival.

Com o passar das horas, vinda a madrugada fresca, a fornalha intestinal começou a abrandar, de modo que Genival conseguiu pegar no sono por quase uma hora, já clareando o dia, antes de ser despertado por Das Dores, preocupada em saber como o noivo havia passado.

Genival parecia um papel de embrulho amassado. Da sua cor castanha de bugre, herança da avó pataxó, pouco restava: a pele como que irradiava um amarelo fosco um tanto desbotado e os olhos estavam afundados em olheiras azul-petróleo. Das Dores não gostou nada do que viu e logo chamou um táxi para rebocar Genival para a emergência do hospital público mais próximo, onde lhe fizeram uma lavagem intestinal do grosso ao delgado, passando pelas pregas do fiofó. Coisa de luxo, de deixar o ambiente mais limpo que  corredor de nosocômio.

Não fosse essa iniciativa, como diria Das Dores posteriormente, “possa ser que tivesse ficado viúva antes mesmo de botar aliança no dedo esquerdo”, e soltava uma gargalhada frouxa, por se lembrar da cara de Genival, quando adentrou o quarto dele naquela manhã desanuviada de domingo.

Imagem em pontuandoanoticia.blogspot.com. 


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