Tirante o cheiro normal do moleque que não gosta de
banho e vive jogando bola só de calção, lá no meu interiorzão todos os moleques
tinham três cheiros característicos, se não me falha a memória olfativa:
mexerica, jenipapo e jaca. Todas elas são frutas de odor pronunciado e
aderente.
Se não tivesse um cheiro, tinha o outro, quando não
os três juntos, o que, então, era praticamente insuportável para os mais
velhos.
Para mim, porém, não fazia a mínima diferença:
quando fiquei mais velho já não morava lá. Lá eu só fui menino. E, quando
adolesci, cacei rumo na vida e tentei usar Vitesse e Lancaster, perfumes que
todo jovem quebrado usava. Assim, lá, eu também era um dos portadores de um
daqueles cheiros.
Aqui na cidade grande as crianças
recendem outras fragrâncias.
Quando a van escolar que trazia meus filhos de
volta à casa, no final da tarde, abria a porta, liberava um cheiro de frango
molhado. O odor era terrível! Tanto que milha filha, ainda pequena, pediu
encarecidamente que não viesse mais naquela horrível câmara de tortura. Ela
mesma não suportava.
Pois não é que hoje comprei numa quitanda de luxo
perto de casa, dentre outras frutas, um pedaço de jaca!
Jaca, que naturalmente Proust não devia conhecer (imagem em
baixaki.com.br).
Na hora em que escolhia a porção adequada
a consumo único – minha mulher disse que não iria querer –, ainda troquei
ideias com um casal do outro lado da bancada. A esposa do freguês, inclusive,
era especialista em jaca, pois ponderou, com dois pedaços não mão, que
um era de jaca pau e o outro, de jaca manteiga.
Nunca tive preconceito contra jaca. Pau ou
manteiga, eu iria comê-la de qualquer jeito, pois, se há um método infalível de
se voltar no tempo – e Marcel Proust está aí para não me deixar mentir –, este passa
pelos sentidos do corpo. E o cheiro daquela jaca esquartejada da quitanda me
incentivou a isso.
Escolhi o meu pacotinho de jaca cortada, que
comportava cerca de oito favos, trouxe-o para casa e comi com a mão, isto é,
sem uso de talher, que é a única forma civilizada de se comer jaca. E fiquei
com o cheiro impregnado em minhas mãos até agora, momento em que dedilho estas
bem traçadas.
Então voltei à infância em que ia para os quintais
e os pomares de Carabuçu comer frutas no pé.
Nos quintais da minha avó Maína e do tio Alcides
Almeida, eram as laranjas e mexericas que faziam a festa: lima, baía, seleta,
coroa de rei, serra d’água, lima-da-pérsia. Na serra, onde moravam meus tios
Herson e Alda e meus nove primos, eram abundantes a manga, a jaca, a graviola,
o biribá e diversos tipos de laranja. Mais acima, já no topo, casa dos tios
Aldany e Neusa e mais quatro primos, eram as bananas: prata, nanica, ouro,
maçã. O jenipapo, a gabiroba, o maracujá e a goiaba, comia-os na fazenda dos
tios Aurélio e Toninha, acompanhado dos primos. E vinham, do quintal do tio
Tatão, cajás e jabuticabas. A cana era apanhada dos caminhões que a
transportavam para a usina de açúcar próxima ou tirada dos canaviais à beira
dos caminhos. No pequeno quintal da minha casa, meu pai plantou um pé de
jamelão, que logo, logo, começou a produzir, contra todo o meu medo de que
aquela árvore fosse demorar a crescer. O jamelão deixava a boca, os dentes, as
mãos e as roupas com uma nódoa roxa difícil de sair.
E, agora, estou eu aqui a reavivar minha memória
proustianamente, dezenas de anos depois, por um simples cheiro de jaca
manteiga. Ou jaca pau, sei lá! O que vier eu traço!
Aliás, já tracei, e estava muito boa!
Tenho inveja dessa sua fruta toda!
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