Publiquei em
Gritos&Bochichos,
em 23/4/2010, o texto abaixo, na rubrica Essa nossa rica língua.
Como nada
mudou, repito-o aqui, na esperança de que mais alguns leitores conheçam a
verdade dos fatos sobre a pronúncia que a Rede Globo teima
em imprimir à palavra Roraima, nome de um dos nossos estados federativos.
De antemão,
devo alertar os leitores de que tenho certa implicância com algumas pronúncias
que o William Bonner faz de determinadas palavras. Mas o que expresso aqui não
tem nada de pessoal - e nem haveria, pois ele não está nem aí para este que vos
escreve. Mas é que há certas coisas que me incomodam muito. Então, é melhor
escrever.
-o-o-o-o-o-o-o-
Temos ouvido com frequência, todas as vezes que
locutores e jornalistas da Rede Globo de Televisão, individualizados aqui pelo
William Bonner, se referem ao estado do Norte brasileiro, fazerem a pronúncia
aberta do /a/ tônico da palavra Roraima: /Roráima/.
Tal pronúncia é estranha ao linguajar no Sudeste, de
onde partem as emissões da Rede. Também, pelo que sei, os jornalistas e
locutores não são nativos daquele Estado, o que também não se justificaria.
Incomodado com tal pronúncia, enviei mensagens
eletrônicas para Bonner e para Evaristo Costa, do Jornal Hoje, sem que nunca
houvesse mudança na pronúncia. Pretensão minha, não é mesmo? Mas lhes explico.
Não importa como, em Roraima, os roraimenses pronunciem
quaisquer palavras da língua. Cada região irá pronunciá-las com o sotaque que
lhe é característico. Ora, na pronúncia padrão brasileira, como ocorre em nossa
região e em várias outras, é traço comum como que nasalar, com o
fechamento do timbre, as vogais ou ditongos, após os quais apareçam as
consoantes nasais /m/, /n/ e /ŋ/. Por exemplo, não dizemos /andáime/, mas
/andãime/, assim como fechamos o /a/ tônico de cama, cana, cânhamo,
estamos, ficamos. Em Portugal, a pronúncia de todos esses /a/ é
aberta. O mesmo ocorre com a vogal /o/: somos, sono, sonho,
Antônio. Eis aí um traço distintivo entre os dois sotaques: em
Portugal o /a/ e o /o/ são abertos, no Brasil são nasalados, fechados.
Imaginem se é possível a um falante de determinada
modalidade regional saber como a população local pronuncia os nomes dos lugares
em que vivem?
Há algum tempo, vi no sítio eletrônico do Millôr
Fernandes a ponderação de uma teleleitora, como ele costuma dizer, sobre o assunto. Lá
ela se expressa da seguinte forma: “Como nativa, devo afirmar que a pronúncia
correta seria realmente Roráima; não fique enjúriado (sic) com o Bonner.
O termo Roraima, assim como Pacaraima, Sorocaima e Maracaibo são palavras de
origem caribe. O termo Roraima denomina um estado no Brasil e outro na
Venezuela e, em ambos locais (sic) se pronuncia Roráima, e não Rorãima,
como as pessoas falam na sua casa. William Bonner e a Rede Globo nada mais
fizeram do que a gentileza de adequarem a pronúncia nasalada à pronúncia de que
se valem os falantes da região. Manda a boa regra que se deve adotar o modo
como os nativos falam palavras típicas do seu local”.
Também não importa a origem da palavra para
pronunciá-la em nossa língua. Para esse caso, seja exemplo a palavra fogo
(substantivo), que em latim tinha o primeiro /o/ aberto (breve): fŏcu.
Aproveitando a oportunidade, também não se justifica a pronúncia em /o/ fechado
da palavra ioga, como querem os praticantes da filosofia, sob a alegação
de que em sânscrito, de onde provém a palavra, o /o/ é fechado. Comparem-se: joga,
toga, roga, voga, sogra, logra.
À luz da Linguística, não há boa regra que nos obrigue
a pronunciar como os nativos de outras regiões. Seríamos, então, obrigados a
pronunciar /Ricifi/, /Parri/, /London/, para Recife, Paris e
Londres, já que é assim que as populações locais pronunciam os nomes de
suas cidades. É possível saber como os locais pronunciam: København (Copenhague),
北京;
(Pequim), Улаанбааτар (Ulan-Bator) ou Warszawa (Varsóvia)?
Foi esse, inclusive, o teor da intervenção que enderecei ao Millôr
na época.
Além do mais, não há em Linguística (ciência) a noção
de deferência linguística. Tentar falar como o outro soa mais como brincadeira.
Bonner não alterará sua pronúncia, tenho absoluta
certeza. Assim como não alterou a de sem-terra, que ele faz como se sem
fosse meramente uma sílaba da palavra composta e não um vocábulo preexistente
na língua. A pronúncia da primeira sílaba da palavra composta formada por sem
+ terra é /seyn/ com uma semivogal /y/ e não /sen/, sem a semivogal,
como se faz em centena, sentido. E olhem que para isso também já
enviei várias mensagens, todas infrutíferas.
Mas a vida tem dessas coisas: uns, moinhos de vento;
outros, Dom Quixote!
Primeira gramática da língua portuguesa, de Fernão d'Oliveira (séc. XVI). |
PS: Vejam o comentário do amigo Alfredo Moreirinhas, logo abaixo, para atentar para as observações que faz acerca da pronúncia lusitana. Obrigado, Moreirinhas!
Muito boa sua aula...aqui é casa, tenho uma mistura de sotaques, sou paulistana, marido cearense, filhos cearenses, criados no RN...de vez em quando, misturamos tudo, mas tem gente que reclama, procurando uma identidade de local: "ué, mas você não é paulista?" A resposta é confusa também. Abraço do Pedra.
ResponderExcluirwww.pedradosertao.blogspot.com.br
Obrigado, Pedra do Sertão. Há realmente uma riqueza de sotaques em nossa língua. Cada um fica com o seu, certo?
ExcluirAmigo Saint-Clair,
ResponderExcluirAntes de mais, parabéns pela lição e obrigado pelo seu cuidado na preservação da língua portuguesa.
Há, no entanto, uma imprecisão em relação à maneira como o Saint-Clair diz que em Portugal se prenuncia o "O" e o "A" nas palavras: cama, cana, cânhamo, estamos, ficamos, também não abrimos o "a", com a excepção da palavra: "ficamos" que se for no presente é fechado e se for passado é "ficámos". No Brasil não fazem distinção e em Portugal sim, embora hoje já haja muita gente a pronunciar como no Brasil. Também nas palavras: somos, sono, sonho, nós não abrimos o "o". Nas palavras: "António" e "tónica" por exemplo, abrimos o "o" e até escrevemos com acento agudo.
Aquele abraço!
Obrigado pelas informações, amigo. Vou atentar para isso.
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