Sob o
comando do subtenente Silva, servia eu o Tiro de Guerra nº 1, o TG1, em Bom
Jesus do Itabapoana, no correr do morto e enterrado ano de 1965.
O rigor
militar na disciplina, na ordem, na organização é ponto indiscutível, sabido
por todos. E o subtenente fazia questão de manifestar isso a cada momento.
Nossa
garbosa corporação recebeu o honroso convite de desfilar na festa anual da
vizinha cidade de São José do Calçado, terra do meu amigo Zé Antonio Lahud,
caracterizada por ruas de sobe e desce.
O subtenente
Silva resolveu preparar uma apresentação de gala para o hospitaleiro povo
calçadense. Por mais de uma vez, falou sobre a importância da nossa
apresentação, que deveria ser um primor. Nós, no entanto, ficamos excitados,
porque já nos imaginávamos conquistando os corações das garotas da cidade, após
o irreprochável desfile que faríamos e também pelo apelo praticamente
irresistível da farda.
No quadro
negro da sala de instruções, traçou os planos para o desfile, que culminaria
com uma salva de fuzil, em uníssono. Para tanto, combinou e recombinou, em sala,
teoricamente, o que fazer. Com os fuzis carregados com um tiro de festim, ele
daria a ordem, com a característica entonação militar, no compasso da marcha, a
um bando de soldados meio atabalhoados:
- TG1,
preparar armas! – o tom da frase sempre aumentando ao final.
Em seguida:
- TG1,
homenagear Calçado! – no mesmo tom.
Então
contaríamos até três, sempre no compasso. E quando o pé esquerdo marcasse o fim
da contagem, começaríamos a gritar (soldado não fala, soldado grita!)
compassadamente:
- Tê – gê –
um – sa – u – da – o – po – vo – de – Cal – ça – do!
Contaríamos
até o terceiro passo novamente e dispararíamos no número três, em uníssono, a
salva de fuzil.
Treinamos em
sala, ele no comando, a tropa marcando passo, apenas para sincronizar passo,
frase e momento de disparo. Treinamos várias vezes, até que ele deliberou levar
a tropa para a rua, em Bom Jesus, com o intuito de fazer uma simulação com os
fuzis carregados.A valorosa tropa da turma de 1965 formou em frente à sede do Tiro de Guerra, na rua Abreu Lima, e partiu em marcha rumo à praça Governador Portela. Assim que contornamos a praça e começamos a voltar para a Abreu Lima, o subtenente deu a ordem:
- TG1,
homenagear Calçado!
- Tê – gê –
um – sa – u – da – o – po – vo – de – Cal – ça – do!
- Um, dois,
três: agora!
O que se
ouviu, então, pareceu festa de São João! Cada soldado puxou o gatilho no seu
próprio tempo. Aquilo era uma saraivada e não um estrondo. Pipocou tiro como se
fosse uma caçada de rolinhas, ou a queima de um tipo de bombinha junina chamada
estrepa-moleque, que estoura aleatoriamente várias vezes.
O subtenente
ficou uma arara, ficou possesso! No meio da rua mesmo, nos chamou de bando de
mariquinhas, de Carmens Mirandas, de Martas Rochas, que era como gostava de
menosprezar nossa macheza. Falou que aquilo era mais um bando, do que uma
tropa. E emendou exigindo que repetíssemos o treinamento, agora sem o tiro de
festim, já que os fuzis foram carregados com apenas um cartucho.
Repetimos
tudo e, ao final da contagem de três, ele gritou;
- Agora!
Para espanto
geral, ouviu-se, na vastidão da Rua Abreu Lima, desobstruída de carros e de
gente, um único e solitário estampido, produzido por um retardatário.
Soltando
fogo pelas ventas, o subtenente quis saber, aos gritos, a jugular a saltar-lhe do
pescoço:
- Quem foi o
mariquinha que deu o tiro? Quero saber quem foi essa besta quadrada?
Soldado não
se omite, não se esconde. Assume o malfeito, nem que pegue cadeia.
De um ponto
qualquer da fileira à minha frente, o soldado número um, Adalberto, nome de
guerra Assad, vulgo Manequim, topete em platibanda moldado a brilhantina
Glostora, gritou:
- Fui eu,
subtenente, soldado Assad, número um.
Como
castigo, se não me falha a memória, Manequim foi cavucar um barranco atrás da
sede do Tiro de Guerra, local que funcionava como uma espécie de pelourinho
para toda trapalhada cometida por nós. A corporação, essa, nunca jamais foi
desfilar em homenagem ao hospitaleiro e laborioso povo calçadense.
Todos os
nossos projetos de paquerar as belas garotas de São José do Calçado foram,
literalmente, de morro abaixo.
Recruta Zero, criação de Mort Walker. |
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