20 de dezembro de 2012

SE O MUNDO ACABAR AMANHÃ


Estou aqui de tocaia, esperando esse tal fim do mundo. Sou do interior, e lá temos o hábito da tocaia, para pegar alguma caça ou alguém desprevenido. Eu estou prevenido. Não sei se o propalado dia derradeiro sabe que é o derradeiro.
Tenho visto/ouvido declarações desencontradas. Eu mesmo não acredito em nada disto. Costumo dizer, brincando, que não acredito nem mesmo em homeopatia – e não acredito mesmo – e tenho certa desconfiança da alopatia. O último anunciador de tal catástrofe em que ainda depositava alguma crença, mesclada a boas gargalhadas, era o Zé do Apocalipse, personagem de Glauco, que também morreu com seu autor, violentamente, em 2010.
Zé do Apocalipse, de Glauco.
Mas vamos supor que o mundo acabe amanhã, contra todas as evidências atuais. São 17h07 desta quinta-feira abúlica, em que não se tem vontade de nada, nem mesmo de morrer. Aliás, muito menos de morrer. Mas, como dizia, estou imaginando que, se de fato isto se der, o que eu perderei? Vamos à contabilidade.

Pelo menos doze garrafas de vinho, que venho guardando para uma boa ocasião e uma temperatura amena, ficarão sem ser consumidas. Não são caros, que não tenho estipêndios suficientes para vinhos estrelados. Contudo, sempre será um prejuízo. Sobretudo, do paladar. Uma garrafa de aguardente de Cabo Verde, presente de meu amigo Rogério Barbosa, ainda não aberta, e outra de Quinado Ramos Pinto, adquirido há alguns anos, com parte da indenização por distrato da função de professor. É um aperitivo de que gosto muito. Outro tanto de exemplares de cervejas de muito boa produção, que me aguardam pachorrentamente na geladeira, inclusive uma presenteada por meu filho Pedro há pouco. Toda essa espera se justifica, porque tenho o hábito de beber com outro e não sozinho. Só assim se apura mais o paladar da bebida.
Também há no congelador um lombo de porco recheado que trouxe de Miracema que ainda não tivemos a oportunidade de enfornar. Será, também, um prejuízo e tanto. As frutas que comprei esta semana foram à conta de chegar até amanhã, desde que o mundo não acabe logo no café da manhã. Se deixar para o fazer lá pela noite, é possível que também acabe com uma penquinha de banana ouro adquirida no pare-siga da estrada de Teresópolis. Faltam apenas seis bananinhas miúdas.

Também tenho alguns cds e dvds que ainda não consegui ouvir/ver, já que o tempo de aposentado, embora elástico, é impressionantemente curto para muitas coisas. Dentre eles, estão alguns documentários sobre blues, da série dirigida por Martin Scorsese – The Blues - e outro tanto de cds de coleções adquiridas em banca de jornal, com valor documental: blues, MPB e música clássica.
Outro tanto de livros que dormem em prateleiras, para que um dia sejam lidos, quando me sobrar tempo. Por exemplo, a segunda parte da Divina Comédia, de Dante Alighieri. Li apenas o Inferno, que achei muito bom, mas o Paraíso me pareceu um tanto sem paladar e não prossegui na leitura. Dante que me perdoe essa confissão e não me mande para seu inferno.

E tenho também muito interesse em saber como ficarão certas mocinhas novinhas e lindas que andam por aí. Gostaria muito de ter mais tempo de existência, para vê-las na maturidade. Acho que é um desejo justo. Se não for pedir muito.
Na verdade, a mulher é a culminância do belo sobre a face da terra. Portanto, o maior prejuízo que terei. Ela nos dá um trabalho do cão, mas não nos cansamos de admirá-la. E esse encantamento talvez seja uma das coisas que nos mobilizam a seguir adiante, imaginando que, no futuro, tudo terá jeito. Ledo engano, como sabemos bem, mas o que fazer?

Os parentes e amigos, caso o mundo realmente acabe amanhã, estarão no mesmo barco furado que eu, e sucumbiremos todos, de mãos dadas ou não, crendo ou não que uma bobagem dessas possa ocorrer.
Pelo sim, pelo não, até amanhã ou depois de amanhã, tão logo as coisas sosseguem um pouco! Já até agendei a publicação de mais um texto para o dia 22 de dezembro. Se ele aparecer na tela do seu computador, é sinal de que a hecatombe final não passou de um blefe.

4 comentários:

  1. Tô preocupado é de partir sem tomarmos nosso último café. E é a sua vez de pagar. Que azar, o meu.

    ResponderExcluir
  2. Zatonio, devo o café e não nego; pagarei logo.

    ResponderExcluir
  3. Uf, não acabou, não! Vínhamos na auto-estrada para o Algarve quando a hora chegou... E até parámos numa área de serviço. Mas cá chegámos, com muito sol e a família cheia de saúde. Um bom resto de Mundo, Saint-Clair!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O mundo terá de suportar esse povinho presunçoso por mais algum tempo, Daisy. Abraços.

      Excluir