Miracema
faz mal ao coração. Tanto pelo lado do colesterol, que lá tem seu maior
incentivo, quanto pelo daquele aperto sinistro de quando você encontra seu amor
perfeito e dele não escapa pelo resto de seus dias. Se você não morrer de
paixão, morre de enfarte.
Pois
foi mais ou menos isso que ocorreu com Zamir. Casado com a mulher da sua vida
há algumas décadas, tinha a tranquilidade de que o velho órgão pulsava
compassadamente na certeza daquele amor verdadeiro e na modorra da pequena
cidade do Noroeste Fluminense, parede-meia com Minas Gerais. E ia levando a
vida entre baforadas de cigarro, torresmos e cervejas, linguiças e traçados,
lombinho de porco e vinho tinto, afora a mulher, os filhos, os netos e até um
bisneto – quem diria! – que dilatam o coração da gente até mais não poder no
quesito amor e felicidade.
Até
que numa tarde prazenteira cheia de calor, o ar abafado, a espera do jogo do
seu time periclitando na tabela do campeonato, só em casa, sente que alguma
coisa não lhe vai bem. De início, julgou que fosse alguma indisposição
estomacal, contudo resolveu por bem ir até a casa de saúde, onde pudesse ter um
diagnóstico melhor.
Beirando
os setenta, não podia dar chance ao azar. E pegou o carro e foi dirigindo até o
local, onde já chegou sem a memória do fato. Tudo o que ocorreu depois foi o
que lhe contaram.
Ministraram-lhe
um sublingual, levou algumas descargas elétricas que lhe chamuscaram a pele, pois
seu caso era um tanto preocupante, e resolveram removê-lo para Itaperuna,
cidade próxima com maiores recursos na área médica. O trajeto, embora não
longo, demanda cerca de cinquenta minutos, uma hora, por conta da travessia da
pequena cidade de Laje do Muriaé, estendida ao longo do rio que lhe dá o nome. Justamente
aí, em Laje, ocorreu o fato inusitado a merecer este registro.
De
repente, Zamir sentou-se na maca e disse ao enfermeiro que o acompanhava:
-
Quero beber um guaraná Antártica geladinho!
Avisado
pelo enfermeiro sobre o desejo do moribundo, o motorista parou a ambulância
imediatamente próximo à pracinha da cidade e correu até um bar, onde comprou,
de seu próprio bolso, uma latinha do famoso guaraná. Trouxe-a, sobressaltado,
na esperança de atender ao último desejo do enfartado, seu conhecido de longos
anos.
Zamir
sorveu o líquido com a sede dos que vão morrer, liberou um arroto caprichado e
deitou-se novamente sobre a maca. O olhar do enfermeiro para o motorista
indicou que o caso era de morte certa e que ele deveria, assim que saísse da
cidadezinha, apertar o pé, porque a situação requeria urgência urgentíssima,
como nos casos mais agudos.
O
motorista não economizou acelerador e chegou rápido ao Hospital São José do
Avaí com o projeto de defunto de Zamir, que foi quem me contou esta história,
às gargalhadas, o coração infestado de stents e safenas e mais uma dorzinha
incomodativa bem lá no fundo, porque seu time está em vias de ser rebaixado à
segunda divisão do campeonato de futebol. Mas isso só quem pode resolver são os
que calçam chuteiras e suam a camisa. Coisa muito mais complicada do que o que
ele passara por conta de toda uma vida de colesterol e nicotina.
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