26 de maio de 2015

ÚLTIMO DESEJO


Miracema faz mal ao coração. Tanto pelo lado do colesterol, que lá tem seu maior incentivo, quanto pelo daquele aperto sinistro de quando você encontra seu amor perfeito e dele não escapa pelo resto de seus dias. Se você não morrer de paixão, morre de enfarte.
Pois foi mais ou menos isso que ocorreu com Zamir. Casado com a mulher da sua vida há algumas décadas, tinha a tranquilidade de que o velho órgão pulsava compassadamente na certeza daquele amor verdadeiro e na modorra da pequena cidade do Noroeste Fluminense, parede-meia com Minas Gerais. E ia levando a vida entre baforadas de cigarro, torresmos e cervejas, linguiças e traçados, lombinho de porco e vinho tinto, afora a mulher, os filhos, os netos e até um bisneto – quem diria! – que dilatam o coração da gente até mais não poder no quesito amor e felicidade.
Até que numa tarde prazenteira cheia de calor, o ar abafado, a espera do jogo do seu time periclitando na tabela do campeonato, só em casa, sente que alguma coisa não lhe vai bem. De início, julgou que fosse alguma indisposição estomacal, contudo resolveu por bem ir até a casa de saúde, onde pudesse ter um diagnóstico melhor.
Beirando os setenta, não podia dar chance ao azar. E pegou o carro e foi dirigindo até o local, onde já chegou sem a memória do fato. Tudo o que ocorreu depois foi o que lhe contaram.
Ministraram-lhe um sublingual, levou algumas descargas elétricas que lhe chamuscaram a pele, pois seu caso era um tanto preocupante, e resolveram removê-lo para Itaperuna, cidade próxima com maiores recursos na área médica. O trajeto, embora não longo, demanda cerca de cinquenta minutos, uma hora, por conta da travessia da pequena cidade de Laje do Muriaé, estendida ao longo do rio que lhe dá o nome. Justamente aí, em Laje, ocorreu o fato inusitado a merecer este registro.
De repente, Zamir sentou-se na maca e disse ao enfermeiro que o acompanhava:
- Quero beber um guaraná Antártica geladinho!
Avisado pelo enfermeiro sobre o desejo do moribundo, o motorista parou a ambulância imediatamente próximo à pracinha da cidade e correu até um bar, onde comprou, de seu próprio bolso, uma latinha do famoso guaraná. Trouxe-a, sobressaltado, na esperança de atender ao último desejo do enfartado, seu conhecido de longos anos.
Zamir sorveu o líquido com a sede dos que vão morrer, liberou um arroto caprichado e deitou-se novamente sobre a maca. O olhar do enfermeiro para o motorista indicou que o caso era de morte certa e que ele deveria, assim que saísse da cidadezinha, apertar o pé, porque a situação requeria urgência urgentíssima, como nos casos mais agudos.

O motorista não economizou acelerador e chegou rápido ao Hospital São José do Avaí com o projeto de defunto de Zamir, que foi quem me contou esta história, às gargalhadas, o coração infestado de stents e safenas e mais uma dorzinha incomodativa bem lá no fundo, porque seu time está em vias de ser rebaixado à segunda divisão do campeonato de futebol. Mas isso só quem pode resolver são os que calçam chuteiras e suam a camisa. Coisa muito mais complicada do que o que ele passara por conta de toda uma vida de colesterol e nicotina.

Imagem em pt.dreamstime.com.

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