Toninho
é uma lenda viva do carnaval bonjesuense. Pelo menos, por enquanto. Há um ano
está com a próstata descomunal, aguardando cirurgia do SUS. Há pouco a
secretaria de saúde do município o fez ir até Vitória para agendar a data de
entrar na faca, expressão do seu tempo de juventude. Em vão! Não era naquele
dia. Voltou, duzentos e vinte e cinco quilômetros, para a rotina de olhar o
tempo passar sem maiores emoções, pelo menos até este dia, pois no ano não
houve o desfile de sempre - a prefeitura não chegou junto, como ele disse - e
seus tradicionais bonecos gigantes não abrilhantaram o carnaval da cidade.
Preocupado
com a situação dele, seu filho Rondinelli - flamenguista roxo, Toninho deu a
cada filho o nome de um jogador do time - procurou a Funerária Boa Viagem, para
se prevenir de qualquer problema mais sério. Desses que chegam nos momentos
inesperados e pegam os sobreviventes no contrapé.
Tal
empresa, estabelecida do outro lado do Rio Itabapoana, oferece consórcio para
aquisição de caixão e planos de sepultamento, em condições vantajosas, do tipo
"pague agora, morra tranquilo depois e deixe tudo por nossa conta".
Rondinelli, precavido, temendo possível dificuldade no momento doloroso,
procurou a funerária, preencheu a ficha, escolheu o plano e deixou o barco
correr.
Naquela
tarde, Toninho, como sempre sentado em sua cadeira no beco ao lado da
rodoviária, trocava dois depois de prosa com seus amigos Negrito e Cristina. De
costas para a entrada da ruazinha, não percebeu a chegada do carro da empresa
de encomendas definitivas.
Sua
atenção foi despertada pela voz do homem da funerária, que procurava pelo
Rondinelli.
-
É meu filho. - respondeu, perguntando em seguida - Por quê?
-
É que ele fez um plano de consórcio lá com a gente e preciso de uns dados a
mais.
Toninho
então virou a cabeça e pôde ler, na lateral da viatura, apenas parte do que
estava escrito: Boa Viagem. Ficou eufórico e comentou com um sorriso:
-
Que bom! Só assim vou poder conhecer Guarapari!
O
homem da funerária, um tanto constrangido, lhe disse:
-
Não vai dar, não, seu Toninho.
Negrito
rasgou uma gargalhada estrepitosa e esclareceu:
-
Toninho, essa viagem aí é a derradeira, aquela sem volta. Aquela em que você só
vai comer capim pela raiz.
Se
há uma coisa que mete medo a esse negro já dobrado em dezenas de carnavais, é a
morte. Nem fale nessa palavra com ele. Desconjuro credo!
-
Que isso, Negrito?! Deixa de brincadeira sem graça!
O
homem da funerária resolveu esclarecer ao possível beneficiário do plano:
-
É isso mesmo, seu Toninho. Nós somos da Funerária Boa Viagem.
Quase
em pânico, um tanto descontrolado, tremendo muito, pega o celular e liga:
-
Rondinelli, que merda é essa, Rondinelli, de fazer plano de funerária?! Porra,
tá pensando o quê, Rondinelli? Tá me agourando, fidazunha?
Cristina,
que me contou a história, não ouviu a justificativa do filho, porém sentiu que
o tradicional e agradável papo de fim de tarde com o Toninho do Tupy, naquele
dia, estava prejudicado pelo horror da morte a que seu amigo estava sendo
apresentado pelo excesso de zelo do filho. Talvez, se tivesse antevisto essa
traição filial, teria posto o nome no menino de Júnior Baiano, e não de
Rondinelli, o famoso Deus da Raça para a torcida urubu.
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Imagem em cledsonsoares.blogspot.com. |
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