4 de maio de 2015

BOA VIAGEM!


Toninho é uma lenda viva do carnaval bonjesuense. Pelo menos, por enquanto. Há um ano está com a próstata descomunal, aguardando cirurgia do SUS. Há pouco a secretaria de saúde do município o fez ir até Vitória para agendar a data de entrar na faca, expressão do seu tempo de juventude. Em vão! Não era naquele dia. Voltou, duzentos e vinte e cinco quilômetros, para a rotina de olhar o tempo passar sem maiores emoções, pelo menos até este dia, pois no ano não houve o desfile de sempre - a prefeitura não chegou junto, como ele disse - e seus tradicionais bonecos gigantes não abrilhantaram o carnaval da cidade.
Preocupado com a situação dele, seu filho Rondinelli - flamenguista roxo, Toninho deu a cada filho o nome de um jogador do time - procurou a Funerária Boa Viagem, para se prevenir de qualquer problema mais sério. Desses que chegam nos momentos inesperados e pegam os sobreviventes no contrapé.
Tal empresa, estabelecida do outro lado do Rio Itabapoana, oferece consórcio para aquisição de caixão e planos de sepultamento, em condições vantajosas, do tipo "pague agora, morra tranquilo depois e deixe tudo por nossa conta". Rondinelli, precavido, temendo possível dificuldade no momento doloroso, procurou a funerária, preencheu a ficha, escolheu o plano e deixou o barco correr.
Naquela tarde, Toninho, como sempre sentado em sua cadeira no beco ao lado da rodoviária, trocava dois depois de prosa com seus amigos Negrito e Cristina. De costas para a entrada da ruazinha, não percebeu a chegada do carro da empresa de encomendas definitivas.
Sua atenção foi despertada pela voz do homem da funerária, que procurava pelo Rondinelli.
- É meu filho. - respondeu, perguntando em seguida - Por quê?
- É que ele fez um plano de consórcio lá com a gente e preciso de uns dados a mais.
Toninho então virou a cabeça e pôde ler, na lateral da viatura, apenas parte do que estava escrito: Boa Viagem. Ficou eufórico e comentou com um sorriso:
- Que bom! Só assim vou poder conhecer Guarapari!
O homem da funerária, um tanto constrangido, lhe disse:
- Não vai dar, não, seu Toninho.
Negrito rasgou uma gargalhada estrepitosa e esclareceu:
- Toninho, essa viagem aí é a derradeira, aquela sem volta. Aquela em que você só vai comer capim pela raiz.
Se há uma coisa que mete medo a esse negro já dobrado em dezenas de carnavais, é a morte. Nem fale nessa palavra com ele. Desconjuro credo!
- Que isso, Negrito?! Deixa de brincadeira sem graça!
O homem da funerária resolveu esclarecer ao possível beneficiário do plano:
- É isso mesmo, seu Toninho. Nós somos da Funerária Boa Viagem.
Quase em pânico, um tanto descontrolado, tremendo muito, pega o celular e liga:
- Rondinelli, que merda é essa, Rondinelli, de fazer plano de funerária?! Porra, tá pensando o quê, Rondinelli? Tá me agourando, fidazunha?

Cristina, que me contou a história, não ouviu a justificativa do filho, porém sentiu que o tradicional e agradável papo de fim de tarde com o Toninho do Tupy, naquele dia, estava prejudicado pelo horror da morte a que seu amigo estava sendo apresentado pelo excesso de zelo do filho. Talvez, se tivesse antevisto essa traição filial, teria posto o nome no menino de Júnior Baiano, e não de Rondinelli, o famoso Deus da Raça para a torcida urubu.

Imagem em cledsonsoares.blogspot.com.

Nenhum comentário:

Postar um comentário