Arlindinho não se emenda.
Eram oito horas da manhã, quando liga para a irmã,
aos prantos, de sinceras e doridas lágrimas:
- Fá! - É assim que, carinhosamente, chama sua irmã
Fabiana. - Ela me bateu novamente. Não aguento mais!
Arlindinho tem o péssimo hábito de apanhar da
mulher, Claudirene, a qual, inclusive, montou cozinha apetrechada com panelas e
frigideiras de alumínio reforçado, com as quais estilhaça a cara do frouxo
marido, com assustadora periodicidade.

Agora corre na cidade, da Beirola à Praça Astolfo
Dutra, que a esposa é viciada em adrenalina e, nos momentos de síndrome de
abstinência, procura reequilibrar o metabolismo orgânico com algumas e variadas
pancadas nos cornos de Arlindinho. E sempre que, por algum motivo, passa mais
de uma semana sem puxar ferros na academia onde contorna seu bem apessoado
corpo, o marido sofre as consequências.
Quando ocorrem essas crises cumulativamente com a
sua sinistra TPM, é praticamente o princípio do cataclismo derradeiro. É dia de
os vizinhos gastarem o dedo no 190, em socorro da patrulhinha da gloriosa
polícia capixaba.
Nesse dia, no entanto, Arlindinho tinha chegado ao
limite de seu papel de saco de pancadas. Por isto, o telefonema para a irmã:
- Fá, ela me bateu de novo! Não aguento mais! Estou
pensando: ou me mato - tomo chumbinho com guaraná -, ou vou para Guaxindiba!
Aqui é necessária uma digressão, para que o amigo
leitor possa aquilatar o peso da decisão de Arlindinho.
Guaxindiba é uma singela praia do litoral norte do
Estado do Rio, localizada no recém-empossado município de São Francisco do
Itabapoana, a qual banha seus frequentadores com uma água achocolatada, produto
da boca do rio Paraíba do Sul, ali próxima. E foi aí que este narrador, em seus
calções de menino, conheceu a vastidão do mar pela primeira vez e pode garantir
que ela não tem atrativo nenhum, pois é uma razoável longa extensão de areia,
sem reentrâncias, sem curvas, sem baías, de uma visão monótona e sem sabor. Em
princípio, só vai a Guaxindiba quem não tem mais nada o que fazer. Ou quem
sofreu alguma decepção amorosa. Ou quem pensa, sinceramente, em dar fim à
existência.
Assim se explica a dúvida que assaltou o espírito
enxovalhado do pobre Arlindinho, após a sessão de pancadas daquela quarta-feira
de manhã, sem nenhuma data comemorativa que a justificasse. Se, ainda, fossem
vésperas de Finados, Dia de Reis, ou da Festa de Outubro, que a prefeitura
local antecipou para abril, tudo estaria explicado. Mas, assim, sem mais nem
menos, numa irrisória quarta-feira de outono, a coisa não era suportável.
Fabiana ouviu a cantilena do irmão, useiro e
vezeiro na prática do levar cacete, e foi taxativa:
- Arlindo! - A situação exigia seriedade, e ela
optou por não usar o hipocorístico do nome do mano. - Arlindo! - E repetiu,
para que não restassem dúvidas sobre a seriedade de suas palavras. - Você é
quem sabe: se matar ou ir para Guaxindiba é a mesma merda. Você escolhe. Só lhe
peço uma coisa, Arlindo: o que você fizer é só depois me comunicar, para eu não
ficar igual uma doida atrás de você. Entendeu?
E bateu o telefone sobre as lágrimas desinsofridas
de Arlindinho, que até o fechamento deste prosaico texto, ainda não se decidira
sobre tão importante sentença: se se mata com chumbinho com guaraná, ou se vai
passar uns dias nas águas achocolatadas de Guaxindiba.
Nenhum comentário:
Postar um comentário